G1
Sábado, 30/12/2017, às 04:00,
Houve um tempo, não muito distante, em que as elites monárquicas
tinham um peculiar tratamento antiestresse: a caça. Era só alguém estar
de cabeça quente por um motivo qualquer que o remédio recomendado era
pegar em armas e matar bichos, alados ou quadrúpedes. Lá se iam, assim,
lindos espécimes de nossa fauna. Morriam por uma causa nada nobre.
Estive
observando isso numa cena belíssima da série “The Crown”, produzida
pela Netflix. O estressado da vez era o rei George VI, aquele que
precisava conviver com uma gagueira e uma timidez pouco condizente com
sua função na vida. Quando foi informado pelo médico que tinha uma
doença grave, câncer no pulmão, George foi caçar belas aves num
território perto de seu palácio.
E, enquanto caçava e pensava sobre sua doença, fumava um cigarro atrás do outro.
É
possível que os pesquisadores que ajudaram a montar a cena tenham feito
de propósito. É fácil, hoje, identificar o elo entre fumo e câncer de
pulmão, e ver o rei soltar fumaça em meio a uma crise de tosse remete a
maioria dos espectadores a um mundo em que a ciência ainda engatinhava
nas questões médicas. Chega a dar nervoso.
Para quem é ligado a
causas ambientais, porém, outro detalhe da cena não passará
despercebido. A desinformação dos cientistas com relação à doença que
ainda hoje é, muitas vezes, fatal, se iguala à falta de conhecimento
sobre a importância da biodiversidade, sobre a extinção de algumas
espécies. Vivia-se naquela época – falo do meio do século passado – como
se a natureza em volta fosse eterna. E aquela elite britânica, lado a
lado com outras tantas, dava o pior exemplo quanto ao cuidado com os
animais. Desde então, desde sempre, a humanidade só vem marcando gols
contra na maneira como trata seus bichos, só porque os consideram
animais inferiores.
Foi assim que comecei a minha reflexão para
fazer uma espécie de previsão sobre o que pode acontecer no mundo, no
ano que começa daqui a pouco, no tema que me compete: o desenvolvimento
sustentável. Porque, acima de qualquer coisa, o que a humanidade
precisaria ter é coragem para assumir que vem mancando em muitos
quesitos, sobretudo porque sempre se imaginou "top dez" em tudo. Está
mais do que na hora de botar o pé no chão e dar uma trava nessa super
autoavaliação.
Enquanto a vida de George VI se ia, o corpo dele
tomado por um tumor maligno, o primeiro ministro Winston Churchill e
outros lordes do parlamento se debatiam em questões políticas. O valor
da vida, incluindo aí o ambiente em que se vive, perde de goleada para o
valor que se dá ao poder, ao capital. Não é possível que, até hoje,
passe despercebido este erro grosseiro.
Mas não vamos perder as
esperanças, porque, no fim das contas, se estamos debatendo sobre isso
num espaço da grande mídia destinado ao tema é porque andamos para a
frente, sim. E, se em 2017 Donald Trump enterrou alguns dos progressos
e fez retroceder algumas décadas, outro nome surge para tentar
alavancar uma empreitada gigante para conter o uso abusivo dos
combustíveis fosseis no mundo: Emmanuel Macron, atual presidente da
França.
Poucos dias depois do fim da COP23,
que reuniu líderes mundiais em Bonn, na Alemanha, convocados pelas
Nações Unidas, onde quase nada ficou decidido, Macron chamou os líderes
para uma outra reunião, chamada “Um Só Planeta”. Mais de 60 chefes de estado compareceram
e até o Banco Mundial entrou na lista das promessas para injetar
urgência nas ações para baixar as emissões de carbono. Foram anunciados
investimentos de 26 trilhões de dólares em projetos de energia limpa.
Macron
falou, e foi enfático: o plano de Donald Trump para tirar os Estados
Unidos do Acordo de Paris enfraqueceu as medidas que já poderiam estar
mais adiantadas desde a COP21, em 2015, quando o Acordo foi negociado.
E, para dar um bom exemplo, prometeu parar de financiar perfurações para
achar petróleo em seu país a partir de 2019, “salvo em situações
excepcionais”.
As declarações de Macron puxaram uma enxurrada de
ações. A Exxon Mobil concordou em publicar uma análise sobre como seus
ativos serão vendidos num mundo dois graus mais quente. Quatorze países,
incluindo a Alemanha, a Etiópia e a Costa Rica, prometeram desenvolver
planos para compensar suas emissões até 2050. Uma aliança liderada por
Canadá e Reino Unido para eliminar totalmente o carvão de sua produção
incluiu mais países e agora já são 26 no total. Outros 36 países,
incluindo a Austrália, a Grécia e as Ilhas Marshall, pediram à Maritime
International Organization (Organização Marítima Internacional) que
reduza as emissões de frete.
E mais: os líderes caribenhos se
comprometeram a investir US$ 8 bilhões, em parceria com bancos de
desenvolvimento, para a região se recuperar de furacões. E o preço sobre
o carbono também foi uma promessa conseguida na reunião de Macron.
Em
resumo, sim, pode ser apenas retórica, podem ser apenas falsas
promessas. Mas o importante é que Emmanuel Macron puxou uma liderança
sobre o tema.
Correndo paralelo para tentar deixar Trump e sua turma para trás, a China acaba de anunciar um Sistema Nacional de Comércio da Emissão de Carbono.
É um passo à frente na direção de um mercado nacional de carbono que,
como não podia deixar de ser, pretende ser alçado como o “maior do
mundo”. Coisas de chineses.
2018, portanto, pode ser o ano em que os “outros” países começarão a descobrir que não precisam dos Estados Unidos para tomar atitudes em prol de uma mudança de hábitos regida pela decisão de baixar as emissões de carbono e, consequentemente, melhorar um pouco as condições de vida de muitos. Sempre que eu escrevo dessa forma, fico com a sensação de que os leitores também podem estar julgando esta uma retórica inútil. Vou legislar em causa própria, mas vou insistir: não é.
Na verdade, “baixar as emissões” é uma expressão que implica em mudanças. Voltando à cena com que iniciei este texto, ninguém pode negar, hoje, que houve uma transformação concreta na sociedade com relação ao hábito de fumar desde que a Ciência demonstrou que este é um hábito que pode levar humanos à morte. É disso que se trata, é disso que estamos precisando.
Uma transformação concreta nos nossos hábitos não quer dizer deixar todos os ganhos para trás, não implica em retrocesso. Mas, sim, pode ser feita justamente a partir dos conhecimentos científicos que hoje estão provando que há um excesso de gases poluentes na atmosfera e que este excesso está causando fenômenos que podem nos afastar, cada vez mais, de uma qualidade de vida. A partir disso, é possível começar a repensar alguns hábitos, incluindo o tratamento que se dá aos animais.
A sugestão está na mesa de debates. E, em 2018, parece que vai ganhar mais pulverização com a entrada de novos personagens na discussão, o que é muito bom. Que venha o novo ano! Feliz festa para vocês, leitores!
G1
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