Meio Ambiente & Desenvolvimento Humano

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Seminário discute ações para o São Francisco

Ministério do Meio Ambiente apresenta ações da pasta no programa de revitalização da bacia hidrográfica, entre os quais o MacroZEE da região.


MARTA MORAES
 
Quinta, 04 Maio 2017 17:00


Divulgação MMA
Felipe Barbosa: ZEE da bacia

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) apresentou, nesta quinta-feira (4/5), em Brasília, algumas de suas principais ações que se relacionam com o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco para público formado por gestores, técnicos e especialistas no tema. O Plano Novo Chico, como é chamado, foi lançado em agosto de 2016 pelo governo federal. As ações são articuladas por 16 ministérios, entre os quais o Meio Ambiente e o Ministério da Integração Nacional.

A apresentação aconteceu durante o seminário “Instrumentos de suporte à decisão do Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, organizado pela Câmara Técnica do Programa. O seminário teve como objetivo apresentar, discutir e promover a integração entre os diversos instrumentos de apoio à tomada de decisão existentes na bacia.

O MMA trouxe ao evento informações sobre o Macrozoneamento Ecológico e Econômico (ZEE) da bacia, pela Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental; o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB); o Sistema Nacional de Controle da Origem e dos Produtos Florestais (Sinaflor), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); e as áreas prioritárias para conservação da biodiversidade, pela Secretaria de Biodiversidade (SBio).

Durante o seminário, cada instituição envolvida no programa apresentou seus respectivos instrumentos norteadores de atividades e investimentos, para propiciar uma visão integrada e fortalecer o planejamento da iniciativa.

IMPACTOS
O MacroZEE da Bacia do Rio São Francisco, por exemplo, faz parte do Programa Zoneamento Ecológico e Econômico, coordenado pelo MMA em conjunto com outros 12 ministérios, entre os quais o da Justiça, do Desenvolvimento Agrário, da Agricultura, Integração Nacional e da Defesa.

O estudo realiza levantamentos dos principais processos responsáveis pela transformação do território da Bacia do São Francisco e aborda ainda questões estratégicas, como o uso múltiplo da água, a ocupação e uso do solo e a governança socioambiental.

Com base nestes diagnósticos, serão planejadas as ações governamentais necessárias para a implementação de políticas públicas de emprego renda, revitalização e sustentabilidade de toda a bacia para os próximos 20 anos.  O MacroZEE da Bacia permite identificar os respectivos impactos futuros sobre o meio ambiente, bem como sobre os aspectos sociais e a própria dinâmica econômica presente no contexto da bacia.

De acordo com Felipe Lima Ramos Barbosa, analista ambiental da Gerência de Zoneamento Ecológico-Econômico do MMA, que apresentou a iniciativa no evento, o esforço atual das políticas públicas consiste na conciliação da preservação e conservação dos ecossistemas brasileiros e dos serviços por eles prestados com o desenvolvimento econômico para o presente e o futuro. “Neste contexto, cabe ao MacroZEE papel de destaque como orientador do uso e ocupação do território e das políticas públicas voltadas para a região”, afirmou ele.

MATÉRIA RELACIONADA:
Governo federal lança o Plano Novo Chico

Assessoria de Comunicação Social (Ascom/MMA): (61) 2028-1227

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A Câmara Técnica de Agroecologia e Educação Ambiental

Segmento de Alto Nível das Convenções internacionais de Basileia, Roterdã e Estocolmo trata de gerenciamento prudente dessas substâncias.

Quinta, 04 Maio 2017 18:30
 TINNA OLIVEIRA

                                                                                                                           Divulgação BRS MEAS
Plenária das COPs em Genebra


O secretário de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Jair Tannús, participa nesta quinta e sexta-feira (4 e 5/05), do segmento de Alto Nível das Conferências das Partes (COPs) das Convenções de Basileia, Roterdã e Estocolmo, em Genebra, Suíça. O tema abordado é “um futuro desintoxicado: gerenciamento prudente de químicos e resíduos”.
O objetivo do segmento de Alto Nível é promover uma plataforma interativa, dinâmica e inclusiva para ministros e outros delegados de alto nível visando a troca de experiências e o fortalecimento da liderança política para a implantação das Convenções. Também visa fortalecer a consciência política, assim como apoiar as Convenções, promovendo um diálogo entre as autoridades de alto nível. Ao final das discussões, será elaborado um relatório contendo as mensagens-chave discutidas.
No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente atua como coordenador da implantação nacional dos compromissos assumidos na agenda internacional de químicos e resíduos, seguindo as diretrizes das Convenções de Basiléia, Roterdã e Estocolmo.

CONVENÇÕES

O segmento de Alto Nível acontece durante as reuniões da 13ª COP da Convenção de Basileia, da 8ª COP da Convenção de Roterdã e da 8ª COP Convenção de Estocolmo, que ocorrem desde o dia 24 de abril, também em Genebra.

Basileia: Trata do controle da movimentação transfronteiriça e depósito de resíduos perigosos. Os países signatários buscam coibir o tráfico ilegal e intensificar a cooperação para a gestão ambientalmente adequada das substâncias que fazem parte do acordo. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) proíbe definitivamente a importação dessas substâncias.
Roterdã: Também chamada de Convenção PIC, é um tratado internacional assinado por mais de 75 países sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas. Foi criada, em 1998, com base nos procedimentos que eram adotados voluntariamente por cerca de 145 países em todo o mundo quanto à notificação/regulamentação acerca de algumas substâncias tóxicas (como os agrotóxicos, por exemplo).
Estocolmo: Destaca-se por incluir no seu escopo a obrigação dos países signatários de adotarem medidas de controle relacionadas a todas as etapas do ciclo de vida: produção, importação, exportação, disposição e uso das substâncias classificadas, como Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs). Os POPs são substâncias químicas de alta persistência, capazes de serem transportadas por longas distâncias e de se acumularem em tecidos gordurosos dos organismos vivos, sendo tóxicos para o homem e para os animais. Eles circulam globalmente e podem causar danos nos diversos ambientes por onde passam.
Assessoria de Comunicação Social (Ascom/MMA): (61) 2028-1227/ 1311/ 1437

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Câmara de Agroecologia e Educação Ambiental realiza reunião de alinhamento das ações

 

02/05/2017 17:05

A Câmara Técnica de Agroecologia e Educação Ambiental, que faz parte do Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável (CEDRS), realizou reunião nesta terça-feira (02), no auditório da Secretaria de Planejamento (Seplan), com o objetivo de fazer um balanço das ações, planejar as iniciativas estratégicas para este ano e debater o regimento interno aprovado pelo CEDRS.

“O esforço aqui é reunir academia, institutos federais de ensino, secretarias de Estado, movimentos sociais e redes de Agroecologia e Educação no Campo, para juntos construirmos uma agenda comum, que resultará num horizonte estratégico que é a transição agroecológica, produção de alimentos saudáveis, organização, certificação e comercialização nas feiras locais e ofertas nos editais dos programas Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e de Aquisição de Alimentos (PAA)”, pontuou Welliton Hassegawa, diretor de Inovação e Sustentabilidade, da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), órgão vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) e coordenador da Câmara Técnica de Agroecologia e Educação Ambiental.

A diretora de Educação Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Zana Matos, apresentou o Mapeamento de Experiências Socioambientais do Estado pontuando que “é extremamente oportuno retomar as atividades da Câmara fazendo um levantamento e balanço de ações, para que a partir daí a gente consiga traçar estratégias de ações mais efetivas”, afirmou.

A programação se desdobra nesta quarta-feira (03), no Centro de Formação da SDR, em Itapuã, onde será realizado um levantamento das ações de agroecologia para planejamento e formação, junto com os técnicos que atuam no Serviço Territorial de Apoio a Agricultura Familiar (SETAF’s).
Participaram da reunião representantes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Instituto Federal Baiano (IFBaiano), Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) e técnicos da Bahiater/SDR.
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Obra literária destaca o Turismo Rural no Território Litoral Sul

A região do Rio do Engenho, no município de Ilhéus, Território Litoral Sul, abriga experiências diversificadas da agricultura familiar e conta com um cenário de beleza natural singular.

 
03/05/2017 17:05
 
 
A região do Rio do Engenho, no município de Ilhéus, Território Litoral Sul, abriga experiências diversificadas da agricultura familiar e conta com um cenário de beleza natural singular. A riqueza produtiva e as peculiaridades desta localidade agora podem ser conferidas no livro Turismo no Espaço Rural,Trilha Interpretativa da Agricultura Familiar no Rio do Engenho, que foi lançado na terça-feira (02), no auditório Hélio Reis, no Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec), em Itabuna.

A obra é um dos produtos do projeto de Apoio à Dinamização das Cadeias Produtivas da Agricultura Familiar da Região Cacaueira da Bahia, executado a partir de uma parceria entre a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e a Cooperativa de Agricultores Familiares e Economia Solidária, que visa potencializar serviços de assistência técnica e extensão rural (ATER), para 10 mil famílias, em sete Territórios de Identidade.

O secretário da SDR, Jerônimo Rodrigues, afirmou que o trabalho é fruto de uma fértil articulação de pesquisadores, professores, agricultores e extensionistas. “Esta obra simboliza o esforço e a qualidade das ações dessa parceria entre a Ceplac e o Governo do Estado, que tem possibilitado iniciativas relevantes para o crescimento produtivo do rural baiano”, destacou Rodrigues.
A diretora- superintendente da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater) e uma das organizadoras da publicação, Célia Watanabe, informou que o livro foi concebido com o compromisso de mostrar que o desenvolvimento das atividades rurais extrapola a dimensão da produção agropecuária, e de valorizar o jeito de ser e de viver no espaço rural. Segundo Watanabe, “há uma intencionalidade de refletir sobre o turismo interativo com as comunidades locais, visando ampliar as possibilidades de geração de renda pela agricultura familiar”.

O vice-presidente da Associação de Moradores e Agricultores do Rio de Engenho e Adjacências (Amarea), Vilson Silva, que esteve à frente da formatação da trilha referenciada no livro e cumpriu um importante papel na mobilização dos agricultores e agricultoras da área, ressaltou a importância de trabalhos como este. “Esse livro é uma porta que se abre para dar mais visibilidade à nossa comunidade, além de ser uma esperança para ajudar a manter o jovem no campo, mostrando que é possível ter trabalho e renda com agricultura familiar”, comentou Silva.

Organizadores: A obra tem como organizadores os técnicos: Quintino Reis de Araujo (Pesquisador da Ceplac), Célia Hissae Watanabe (SDR/Bahiater), Sérgio Luiz Freitas Teixeira (Administrador/Extensão Rural da Ceplac), Rita Cristina Tristão Gramacho (Economista/Extensão Rural da Ceplac) e Paulo Roberto Demeter (Agrônomo/Educação Popular e Desenvolvimento – FASE/BA).
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quarta-feira, 3 de maio de 2017

Em atendimento à solicitação da Undime, FNDE prorroga prazo para envio das prestações de contas do PDDE, da alimentação e transporte escolar


03/05/2017 UNDIME

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) prorrogou para 31 de maio o prazo para a prestação de contas do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate). Estados e municípios que receberam recursos desses programas em 2016 precisam enviar os dados sobre a execução financeira até o fim de maio por meio do Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC/Contas Online) do FNDE. O prazo anterior era 30 de abril.

A notícia foi bem recebida pelos gestores já que, na última quarta-feira, 26 de abril, a Undime solicitou ao FNDE, por meio de carta, a prorrogação dos prazos para prestação de contas. Na carta, o presidente da Undime e Dirigente Municipal de Educação de Alto Santo (CE), Alessio Costa Lima, informa que a solicitação se justifica pelas dificuldades encontradas por municípios de todo o país no que se refere ao acesso ao SiGPC. Muitos dirigentes ainda não receberam as senhas, apesar de terem encaminhado seus cadastros, e outros dirigentes ao tentarem enviar os dados enfrentaram instabilidade no sistema, o que impediu o envio dos mesmos.

No caso dos programas de alimentação e transporte escolar, as contas dos entes federativos devem ser analisadas pelos conselhos de controle social responsáveis por acompanhar a execução do Pnae e do Pnate em cada município e estado. Os conselhos têm até 14 de junho para registrarem seus pareceres, aprovando ou não as contas, no Sistema de Gestão de Conselhos (Sigecon) do FNDE. (Clique aqui e confira o passo a passo para cadastrar o parecer no Sigecon). Já as contas do PDDE são analisadas diretamente por técnicos da autarquia.

Caso o estado ou município já tenha enviado a prestação de contas e queira fazer alguma retificação, é possível cancelar o “Recibo de Envio” e proceder com os ajustes. Depois, basta enviar a prestação novamente.

Siope

Na carta, a Undime também solicita ao FNDE a prorrogação para encaminhamento dos dados relativos ao investimento em educação, referentes ao exercício de 2016, via Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope), estabelecido para o dia 30 de abril. Quanto a essa demanda, o FNDE informou à Undime que "o prazo estabelecido para a transmissão dos dados ao Siope, para o exercício em comento (30 de abril de 2017), foi estabelecido pela Secretaria do Tesouro Nacional, para fins, específicos, de comprovação do cumprimento do percentual mínimo de aplicação de impostos e transferências em educação, nos termos do caput do art. 212 da Constituição Federal, junto ao Sistema Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC), estando, dessa forma, fora da alçada do FNDE deliberar sobre tal solicitação”.

Clique aqui para acessar a carta da Undime enviada ao FNDE.
Clique aqui para acessar o ofício do FNDE em resposta à Undime.
Fonte: Undime com informações do FNDE/ Foto: Undime
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Pé de Serra, Gavião, Nova Fátima, Pintadas, Riachão e Capela entrarão em racionamento de água

3 de mai de 2017



A região atendida pelo sistema de abastecimento do sisal terá a distribuição de água racionada a partir de maio. A falta de chuvas baixou o nível da Barragem de Pedras Altas que está com apenas 16% de sua capacidade total de acumulação, o que levou a Embasa a adotar a distribuição de água em regime de racionamento. A partir deste mês de maio, a oferta de água será reduzida em 15% nos municípios de Candeal, Capela do Alto Alegre, Capim Grosso, Gavião, Ichu, Nova Fátima, Pé de Serra, Pintadas, Quixabeira, Riachão do Jacuípe, São Domingos, São José do Jacuípe e Valente.

“Embora tenham sido realizadas ações de economia de água por parte da população e da Embasa, a falta de chuvas para recompor o volume da barragem agravou a redução do nível do manancial. A medida de racionamento visa preservar a barragem e garantir a continuidade do abastecimento até a chegada do próximo período chuvoso”, esclarece o gerente da unidade regional da Embasa em Feira de Santana, Euvaldo dos Santos Neto. A Embasa manterá a complementação do volume distribuído com água da barragem de São José do Jacuípe.

Recomendações



É importante que a população adote medidas de uso racional da água, evitando uso de água potável para a lavagem de carros e calçadas ou rega de plantas e jardins, sendo recomendável o reuso da água de lavagem de roupas, por exemplo.



Atendimento e orientação ao usuário



Caso haja necessidade de complementar a quantidade de água distribuída pela rede, a Embasa disponibilizará carros-pipa para atendimento de hospitais, escolas e creches. Dúvidas e orientações podem ser acessadas pelo telefone 0800 0555 195 ou nos pontos de atendimento da Embasa nos municípios.

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"O cerrado é a caixa d’água da América do Sul"

Seg , 17/04/2017 às 10:51 | Atualizado em: 17/04/2017 às 11:54

Tatiana Mendonça   ATARDE
  
                                                                 Sara Vitória / Divulgação
http://fw.atarde.uol.com.br/2017/04/750_201741711508586.jpg
Para Altair Sales, o cerrado baiano passou por uma devastação "nunca vista na história"

No final de março, um artigo publicado por pesquisadores brasileiros na revista Nature Ecology & Evolution trazia uma indicação alarmante: se o índice de desmatamento do cerrado se mantivesse como é hoje, em trinta anos o bioma poderia perder mais de mil espécies de plantas, maior extinção de vegetais da história. O antropólogo e arqueólogo baiano Altair Sales Barbosa, 68, profundo conhecedor da região, não se abalou muito com essa história, por uma razão igualmente trágica. Para ele, essa extinção, em boa medida, já ocorreu. Enquanto os pesquisadores que escreveram o artigo apontam que 20% da área inicialmente ocupada pelo bioma permanece intacta, Altair fala num número ainda menor, entre 2% e 5%. A devastação se alastrou pelo cerrado baiano, localizado no oeste do estado. “O que aconteceu ali é algo nunca visto na história da humanidade.  Não existe mais nada de intacto lá. Só lavoura de um lado e do outro”. A área integra a fronteira agrícola do Matopiba, que reúne os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, grande produtora de soja, milho e algodão.  Altair explica que, uma vez desmatado, o cerrado não se recupera “jamais”, por conta de suas características evolutivas. Com a perda da vegetação – que têm um sistema de raízes que funciona como uma “esponja”, sugando a água da chuva para o solo – há um impacto direto na alimentação das nascentes dos rios, que se espalham pela região. A previsão de Altair é que com menos água vários rios irão desaparecer de “maneira irreversível”, incluindo o São Francisco. “Se continuar da forma como está, é só uma questão de pouco tempo”.  Para quem pensa que o problema está distante, nas profundezas do Brasil, vale lembrar das cada vez mais constantes crises de abastecimento de água nas grandes metrópoles, situação que, para o pesquisador, será “eternamente crescente”. “Vamos ficar o tempo todo pedindo chuva para abastecer represas”.

No artigo publicado na Nature Ecology and Evolution, os autores apontam que é possível evitar a extinção recorde de espécies no cerrado a partir de uma maior produtividade das pastagens e a adoção de políticas públicas, como a moratória da soja, que já vigora na Amazônia. O senhor acredita que essas medidas são eficientes?

Não. Esses dados de que no cerrado ainda existem grandes quantidades de plantas... Isso é uma falácia. Alguns dos subsistemas do cerrado já foram totalmente extintos, como é o caso das campinas, dos chapadões, cuja vegetação foi retirada para plantação de grãos. Hoje temos no máximo entre 2% e 5% de área preservada no cerrado, pequenas manchas que ainda estão intactas, localizadas em algumas reservas indígenas e outras áreas no vale do Parnaíba [rio que divide os estados do Maranhão e do Piauí], onde será implantado agora o projeto do Matopiba. Isso irá levar praticamente à extinção do restinho de coisa que existe. O segundo ponto é que o cerrado é um tipo de ambiente que já chegou ao seu clímax evolutivo. Dentro da história recente da Terra, o cerrado é o ambiente mais antigo. Isso significa que, uma vez degradado, ele não se recupera jamais. É totalmente diferente da mata atlântica ou da mata amazônica. Você pode até reproduzir em viveiros algumas plantas arbóreas do cerrado – cerca de 150, 180 espécies, das 13 mil existentes. Mas, mesmo que você consiga replantá-las, elas não vão se desenvolver, porque não vão encontrar mais as condições ideais para o seu desenvolvimento. As plantas do cerrado são extremamente especializadas. Vou dar o exemplo do buriti. Ele é fácil de germinar em viveiro, mas precisa de um lugar de muita água para se desenvolver. E hoje nossas veredas estão secas. Além do mais, se você encontrar essa condição ideal, o desenvolvimento do buriti é muito lento. Ele vai atingir a idade adulta com 500 anos. E ainda tem outro complicador... Assim como o buriti, muitas plantas do cerrado são diócas, ou seja, você tem o macho e a fêmea. Então, você precisa dos dois para que haja o cruzamento e a produção de sementes.
A expansão do  Matopiba e a preservação do cerrado são incompatíveis? Não podem coexistir?
Não. Se houvesse desde o início da década de 1960 um estudo, um zoneamento agroecológico, e o agronegócio ocupasse áreas que não fossem estratégicas para a sobrevivência do cerrado, aí sim poderiam coexistir. Mas como não houve isso, e certamente não vai haver... Estive lá recentemente e vários rios desapareceram, secaram. O nosso agronegócio, apesar de produtivo – porque existe uma injeção de conhecimento para fazer com que as áreas de cerrado se tornem altamente produtivas, jogando grande quantidade de calcário, adubo, e fazendo as correções necessárias no solo, inseticidas para matar as pragas, que também matam os insetos nativos, polinizadores –, esse modelo de agronegócio é extremamente predatório e não leva em consideração a história evolutiva do cerrado. O principal elemento do cerrado é o seu extrato de vegetação inferior. É isso que sustenta a água do cerrado. Essas plantas têm um sistema radicular extremamente complexo, que funciona como uma esponja que suga a água da chuva e que deposita essa água no solo subterrâneo, alimentando as nascentes que se formam pela região. Uma vez que você retira isso, você modificou totalmente  o solo do cerrado.

O desmatamento no cerrado ocorre num ritmo cerca de 2,5 maior do que na Amazônia, mas é algo que não ganha a mesma repercussão. Por que há essa diferenciação no tratamento dos dois biomas?

Isso acontece pela falta de conhecimento que impera em todo o sistema educacional brasileiro. Nós não conhecemos nossas matrizes ambientais. No caso da Amazônia, a população é influenciada pela exuberância da floresta. No entanto, a floresta amazônica, tal qual a conhecemos, é um tipo de ambiente ainda em evolução. Chegou a esse estágio de deslumbramento há três mil anos. A mata atlântica tem sete mil anos. Já o cerrado atingiu o seu apogeu por volta de 45 milhões de anos. A diferença de idade é muito grande. Quando a gente fala que o cerrado é um sistema biogeográfico, composto por diversos subsistemas, isso engloba não só a vegetação, mas os animais, a água, os rios, a população humana e outros elementos, como a geologia, a geomorfologia, o clima.
O desmatamento no cerrado baiano ocorre no mesmo ritmo de outros estados? Quais são as particularidades  encontradas aqui? 
O cerrado baiano desempenhava uma função ecológica extremamente importante para a vida do rio São Francisco. Na época do governo militar, principalmente no final da década de 1960, houve um grande incentivo à distribuição de terras para pessoas absenteístas, que não moravam no local. Grandes empresários, inclusive internacionais, ganhavam milhares de hectares de terra para tentar investir nessa região. Só que, na época, a área foi simplesmente desmatada. Um ou outro empreendimento iniciou-se naquele momento. O governo deu a terra, a infraestrutura básica para a retirada da vegetação nativa, e essa infraestrutura eram tratores possantes, amarrados a correntões. A vegetação foi varrida do local para plantação de plantas exóticas que não vingaram, como o eucalipto, o pinus. Só depois vieram os grãos, quando se criou tecnologia para que a área se tornasse produtiva. Essas áreas desmatadas eram áreas de recarca dos aquíferos. O cerrado é a caixa d’água da América do Sul. Todas as águas que saem para todas as grandes bacias hidrográficas da América do Sul estão retidas na região central do Brasil, incluindo o oeste da Bahia. Então o que aconteceu no oeste da Bahia é algo de causar espanto. É algo nunca visto na história da humanidade.  Se você pegar uma imagem aérea dessa região, vai ver que não existe mais nada de intacto lá. Só lavoura de um lado e do outro. A devastação foi tanta que vários tributários menores dos rios maiores desapareceram de maneira irreversível. E quanto aos rios que existem atualmente, é só uma questão de tempo. Eles irão desaparecer.

O rio São Francisco também?

Também. As nascentes de alguns rios importantes, como o rio Grande, que alimenta a cidade de Barreiras e que alimenta o São Francisco, estão distantes até 200 km de suas nascentes originais. Você pega o rio do Meio, o rio Correntina, o rio Arrojado, o rio Carinhanha, todos foram mutilados de tal forma que suas nascentes avançaram em direção ao interior. E esses rios são responsáveis pela perenização e pela própria vida do São Francisco. A vida desses rios pede socorro. Se continuar da forma como está, é só uma questão de pouco tempo e a maioria desses rios vai desaparecer. Com esses rios desaparecendo, consequentemente o São Francisco vai diminuir em muito a sua vazão.

E como a transposição do São Francisco irá influenciar neste quadro?

A transposição é só mais um complicador. Faço uma represa imensa, como Sobradinho, retenho a água do rio, e depois vou bombear essas águas para canais, tanto para o norte quanto para o leste, e subdividir esse canal em vários outros canais, que vão conduzir a água. Só que no momento que essas bombas começam a funcionar, elas vão alterar a mecânica do rio. O rio vai correr mais rápido. E correndo mais rápido, ele vai sugar os seus afluentes de maneira mais rápida. Consequência: esses afluentes que correm sobre um arenito, o arenito do [aquífero] Urucuia, vão levar grande quantidade de sedimento para o rio, o que vai provocar vários bancos de areia. No futuro, a água que fica ali empossada vai evaporar quando houver uma estiagem um pouco mais prolongada. O rio, ao correr por áreas desnudas, sem vegetação, perde uma grande quantidade de água. Em todos os rios alimentadores do São Francisco esse fenômeno já está acontecendo, e no rio São Francisco também. Os aquíferos que alimentam esses rios também não estão sendo reabastecidos como eram até a década de 1960. Os aquíferos já chegaram ao nível de base, principalmente o Urucuia. Você imagine um copo cheio de água, com muitos furos. Se esse copo estiver cheio, a água vai sair por todos os furos. Mas se ele for esvaziando, que é o que acontece no aquífero do Urucuia, a água vai sair só nos furos inferiores. Consequência, a água que ficava lá em cima, na nascente lá de cima, vai desaparecer. A outra desaparece imediatamente, a outra também... É isso que está acontecendo com os afluentes da margem esquerda do São Francisco, que são os responsáveis por sua perenização. Esse projeto de revitalização que o governo fala é só um discurso vazio usado para iludir o povo.

E existe algo que a população e o poder público possam fazer diante dessa situação tão alarmante?

Tem algumas pistas. O primeiro caminho é deixar intacto o que ainda existe de intacto no cerrado, para que nós possamos entender essa matriz ambiental de maneira global. Outro caminho é o investimento em pesquisa científica. Nossas universidades têm que  investir em pesquisa, para produzir conhecimento que possa solucionar os problemas com os quais estamos vivendo atualmente e que só vão se agravar daqui para a frente. As universidades  têm que deixar de ser supermercados que distribuem enlatados para produzirem a própria comida. O problema de falta de água nas cidades, por exemplo, é um problema eternamente crescente. Como os rios que alimentavam os reservatórios dessas cidades foram perdendo água, não alimentam mais esses mananciais como faziam até pouco tempo atrás. Consequência: demanda crescente da população e alimentação menor, o problema surgiu da forma como nós presenciamos no momento. E basta uma estiagem mais prolongada para provocar esse tipo de fenômeno, porque os nossos rios dependem agora da chuva, e não dependem mais, como dependiam, dos lençóis freáticos que os abasteciam, porque esses lençóis já chegaram no nível de base. Então você fica o tempo todo pedindo chuva para abastecer represa. Água de enxurrada que vai abastecer represa, e não mais os rios perenes. 

Disponível: 
http://atarde.uol.com.br/muito/noticias/1854286-o-cerrado-e-a-caixa-dagua-da-america-do-sul
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Vida de rima

Seg , 01/05/2017 às 09:15 | Atualizado em: 01/05/2017 às 09:22

Eron Rezende    ATARDE
                                                                                                         Luciano da Matta | Ag. A TARDE
Bule Bule irá comemorar os 70 anos com um DVD ao vivo

Quem é ele? O próprio responde. “Antônio Ribeiro da Conceição, flor do norte baiano, companheiro da República Federal, moço do código da lei, caixola que Deus me deu, inspetor juramentado; se perguntar cadê ele, ele está aqui: seu criado! Filho de Manoel Jararaca, que mora na Loca da Pedra; se meter o pé com ele, vai ver o rolo da queda. Sou este moço que está na sua beira, cravo das moças e alecrim que cheira. Filho de Isabel Ribeiro da Conceição, doceira, louceira, benzedeira, parteira e outras eiras”.

Bule Bule, a alcunha que Antônio carrega desde moço, sobe as escadas de sua casa, em Camaçari –  a cerca de 50 quilômetros de Salvador –, cantando o epílogo da conversa. Violão em mãos, chapéu também. Alcança o seu salão-relicário. Ali estão as peças de meio século de carreira. Cordéis, discos, quadros em que foi retratado, anotações para futuros livretos e canções. A sua “biboca cultural”, como ele diz, aos poucos vai ganhando as feições de um pequeno museu. A intenção, ainda sem data cravada, é abrir o espaço à comunidade. “Para que a cultura popular não seja esquecida”.

Repentista, sambador e cordelista, Bule Bule completará, em outubro próximo, 70 anos. A data já mexe com sua agenda. No dia 18 de abril, ele foi homenageado durante a Bienal  Internacional do Livro do Ceará, que teve  a curadoria do escritor Lira Neto, ao lado de outros dois poetas populares – Geraldo Amâncio e o pioneiro Leandro Gomes de Barros (1865-1918). No dia 20 deste mês, dividiu o palco com o grupo BaianaSystem. E, com um CD em fase de pós-produção, já planeja um show solo e comemorativo para o final do ano, que resultará em um DVD e um novo álbum. “Só paro se for doença. De resto, a vida é coisa demais para ficar quieto”.

Pra vida ficar maravilhosa

No último ano, no entanto, Bule Bule precisou realmente desacelerar. Com a insuficiência renal agravada, o artista passou a fazer sessões de hemodiálise três vezes por semana. O transplante de rim, há seis meses, pôs fim a uma dura rotina e o jogou em outra. Os horários de seus remédios, quase sempre, são controlados por sua esposa, Gina, com quem vive há pelo menos 30 anos.

De postura babélica, como um menino que enxerga as coisas pela primeira vez na vida, Bule Bule bem que tenta se adaptar às novas regras da saúde. Mas não sem algum protesto. Às vezes, simplesmente,  tranca-se no andar de cima da casa onde mora com a família, com os pertences de uma vida de trabalho. E, se batem à sua porta, responde, rimado: “Troque a sua espoleta numa rosa, jogue fora suas balas, dum-dum; troque o seu três-oitão num jerimum, para a vida ficar maravilhosa”.
Com uma centena de títulos de cordéis publicados e oito discos lançados, Bule Bule é um dos poucos representantes da cultura popular de raiz com presença forte na internet. Suas músicas estão disponíveis no YouTube e em serviços de streaming e seu site é atualizado de forma constante. Fruto do trabalho do filho e produtor, Paulo, mas também de uma visão do próprio artista. “Sou muito analfabeto para essa linguagem, mas não sou cego. Sei o que é uma imagem bem construída”, diz.

De chapéu e casaco de couro, Bule Bule  construiu a sua figura como um defensor de gêneros musicais autenticamente  nordestinos, a exemplo do samba de viola e do repente. Bule Bule hoje é sinônimo de celebração nordestina em alta voltagem, uma estampa asseverada em 2008, quando  foi condecorado com a Medalha da Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo governo brasileiro a personalidades que contribuem para a cultura nacional.

Durante a premiação, o maestro Roberto Tibiriçá, que conduzia a Orquestra Sinfônica Heliópolis, usou o microfone para dizer que um preconceito com a música popular brasileira tinha sido quebrado naquela noite. Um pagamento que, diz Bule Bule, não vem no contracheque. “Preconceito todo mundo tem, meu poeta. O problema é assumir que tem. No mais, é uma coisa muito gostosa você tocar alguém que está em outro universo. E, venha o outro – com preconceito ou não –, eu sou muito prático e adaptável. Minha rédea é móvel”, confessa.

Repente e beatbox

No show que fez com a banda  BaianaSystem – no palco armado na Praça Tereza Baptista, no Pelourinho –, Bule Bule exibiu toda a  sua maleabilidade: as bases eletrônicas serviram ao seu samba de improviso, feito em pique juvenil. E Bule Bule arriscou  até um compasso que lembrava o beatbox, a percussão feita com a boca no hip-hop. Ao lado de Russo Passapusso, vocalista e compositor da BaianaSystem, ele trouxe o sertão para o centro.

Russo Passapusso e Bule Bule no show do Baiana System no Pelourinho. Foto: Adilton Venegeroles / Ag. A TARDE

“É vital que as bandas sejam carregadas de informações tradicionais antes de fazerem uma tradução”, diz Passapusso. “Bule Bule representa o processo de incorporação da música na própria pessoa. Ele é a própria arte. Quando você o vê, enxerga regiões e épocas. Está tudo dentro de sua fala. E quando você tem uma participação como essa no palco, é esse o legado: um entendimento de raiz”.
A história de Antônio da Conceição começa na cidade de Antônio Cardoso, localizada a 145 quilômetros de Salvador, um tanto agreste e um tanto sertão. Município com maior número de pessoas que se dizem negras no Brasil, segundo o último Censo do IBGE, esta é uma cidade de tradição de violeiros e de rezadeiros. O pai, agricultor, mesclava a lida diária com a de artista e foi em sua companhia que o filho aprendeu a versar.

“Sambador tem que saber fazer segunda ao parceiro; a cuia, a palma, o pandeiro, tem que aprender a bater, cantar leve para o velho, tratar o moço com amor; tendo essas qualidades, é sambador”, escreveu Bule Bule na letra de Samba que não tem viola.

Com o pai e outros artistas da região, Bule Bule  pegou as manhas das rezas em festas dedicadas aos santos (onde o pagamento aos rezadores, por parte das famílias abastadas, era feito com o direito de fazer a primeira refeição e de ter a melhor fronha para se ajoelhar em frente à imagem do santo).
Aprendeu, igualmente, os truques da parte profana. Nas rodas de samba há o licutixo, feito para atrapalhar a vida de outro sambador. Bule Bule explica: “O sujeito que está cantando coloca o pandeiro em cima da voz, para o outro não entender. Mas se o outro for esperto, fica abaixo do pandeiro, pega o som canalizado e entra no assunto do samba”.

Foi em Antônio Cardoso, também, que recebeu o título que o acompanha desde então. Aos 10 anos, na padaria em que trabalhava, foi desafiado a carregar um monte de massa de pão que nem adulto dava jeito de tirar da masseira. Tarefa cumprida, algum rapaz desdenhoso soltou que aquele moleque até podia conseguir, mas não ia crescer. Miúdo daquele jeito, seria um eterno bule-bule. A referência ao casulo, a borboleta em fase de metamorfose, ficou.
“Tive um passado de menino pobre. Mas como eu não tinha vida melhor que aquela,  estava muito boa. Hoje é que sei o que faltou”, diz. “Outro dia pediram fotos da minha infância. Mas só filho de rico possuía retrato. Eu não tinha nem quem fizesse, nem tinha possibilidade de ir até a cidade fazer. Quando tirei a primeira foto foi para fazer o documento de votar”.

Alarde

Cantadores da terra do sol (1980) foi o primeiro álbum de Bule Bule, gravado em parceria com o cantador Zé Pedreira. Embora já fosse bastante conhecido em praças e clubes do interior da Bahia, o disco o levou a mais cidades do Nordeste. Pouco mais de uma década depois, o CD A fome e a vontade de comer (1994), concebido com o sambador Antônio Queiroz, o levou a diversas capitais do país  e a uma popularidade até então inédita.

Queiroz, hoje vivendo na cidade de  Serrinha, recorda que, naquela época, eles chegavam a fazer quatro shows numa única  semana. Geralmente, em  cidades pequenas, onde a política tinha um único sobrenome, o assédio vinha de colarinho-branco.

“Numa daquelas viagens, após ser convidado a se lançar como político, Bule Bule  entrou  em silêncio e, num guardanapo mesmo, começou a escrever um poema”,  lembra Queiroz. “O poema dizia bem  assim: ‘Eu quero nada, doutor! Ser igual a muita gente, que passa a ser presidente de uma empresa estatal, tira o couro da pobreza, castra os lucros da empresa, só em seu bem pessoal’”.

Os ditames da política nacional estão presentes, porém, em muitos dos cordéis que Bule Bule assina. Ao acompanhar as notícias atuais vindas de Brasília, ele diz penar. “Sofro de sede justiça. E, como todo mundo que sofre disso, gostaria que as coisas acontecessem para o bem. A gente coloca os políticos num lugar e eles viram bichos. Tiram o próprio coração e ficam vagando sem sentimento. Eles sabem o que nós precisamos, mas estão preocupados com eles e com os seus”.

Durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff, ele achou por bem não ficar calado. Concebeu um cordel batizado de Golpe 2016 e enviou a todos os deputados e senadores que se mostravam favoráveis à permanência de Rousseff no cargo. Num trecho dele, escreveu: “Dilma bebeu o veneno que Temer lhe deu na taça. Por isso Cunha ameaça e vai minando terreno. Não tiveram nem aceno dos milhões de eleitores. Ficam esses dois impostores, com manobra e mais manobra. Um dia o destino cobra, a dívida dos traidores”.

Entre os parlamentares para os quais diz ter enviado o cordel, em Brasília,  apenas a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) acusou o recebimento. “Quando eu vi que ninguém ali comprou a minha briga, senti que caí num falso conto”, diz Bule Bule. “A defesa de Dilma Rousseff foi um jogo de  cena. Não era algo que eles estavam defendendo com alma e nem mesmo comprando a ideia, estavam falando por falar. Hoje, eu podia até calar a minha boca e esperar o bonde passar. Mas prefiro continuar a fazer alarde”.

Num dos lotes de cordéis que enviou à Alemanha, no final do ano passado, Golpe 2016 estava presente. A remessa tinha como destino certo o artista e editor germânico Stefan Bartkowiak, um entusiasta da literatura brasileira, que pretende fundar um museu itinerante totalmente dedicado à literatura de cordel e ao samba de roda.

A ideia, levantada quando Bule Bule e o músico Mateus Aleluia se apresentavam naquele  país, segue agora  na fase de reunião de acervo. Na encomenda, postada para a Alemanha, ainda estava o cordel A tragédia entre dois amantes, o primeiro de autoria de Bule Bule, sobre um triângulo amoroso passado em Feira de Santana.

“Já deveríamos ter um museu desses no Brasil”, diz Mateus  Aleluia. “Mas, aqui, a cisma com a cultura popular não é contra a expressão, mas contra quem a pratica. Quando é feita por alguém que pertence a uma classe dominante, dá-se outro nome, uma modernidade qualquer. É um preconceito de classe. Felizmente, temos a resistência de alguém como Bule Bule, um mestre do saber”.

Voz de resistência

Em sua casa, Bule Bule vem catalogando os cordéis que já assinou. A bagunça feita pelos cinco gatos de rua que ele abriga torna a tarefa um pouco mais lenta. Mas a memória quase nunca falha: sabe a data de cada um e o contexto em que foi escrito. Nesse aspecto, os cordéis de tom político lhe dão a impressão de viver num eterno looping.

Em 1985, por exemplo, indignado com desvios de verbas no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), versou: “Brasil fantástico falado no jornal e na revista, onde atleta e estadista vê o erro e cala a boca. Só o cordelista pobre, o cantador de repente, canta em prol de sua gente até ficar com a voz rouca”.

Em Camaçari, a cidade que adotou após trabalhar no Polo Petroquímico, no final dos anos 1970, ele costuma visitar escolas, a pedido de autoridades e educadores. Dos estudantes, recebe risos, aplausos e perguntas. Outro dia, lançaram essa: pensa na morte? Ao que ele respondeu com um “vixe, tô me sentindo na metade da minha vida”.

Mas Bule Bule diz que, sim, pensa. E de que forma encara a finitude? O próprio responde, recorrendo a uma rima feita em homenagem ao pai: “Morro, mas não me entrego. Passo da vida para a história. Tive existência de glória, mas chegou ao fim. Vou feliz porque, enquanto houver novena e pandeiro, repentista e tiraneiro, alguém lembrará de mim”.

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O dia seguinte para uma sobrevivente de câncer de mama

Estudo sobre o impacto socioeconômico do câncer de mama aponta que as mulheres desenvolvem sequelas físicas, emocionais e cognitivas depois da alta médica

 ELPAIS/BRASIL
cancer de mama
Médica examina uma radiografia de mama.

Existe vida depois do câncer. A sobrevivência cinco anos depois do câncer de mama é superior a 85%; a do câncer de cólon é de até 90%; e a do melanoma, por exemplo, é de 92%. No entanto, pouco se fala do dia seguinte, de como é a vida de um sobrevivente de câncer depois de receber a alta médica. Um estudo do hospital Sant Pau de Barcelona começou a analisar o impacto socioeconômico do câncer de mama em sobreviventes jovens – em idade laboral –. Os primeiros resultados apontam que entre 60% e 70% dos casos analisados apresentam sequelas na funcionalidade física, emocional ou cognitiva.

Desde o momento do diagnóstico já há um impacto psicossocial na paciente. Apesar da alta taxa de sobrevivência, o câncer de mama continua sendo a principal causa de morte entre as mulheres ocidentais e gera “angústia e medo” a partir do primeiro minuto. “Primeiro vem uma sensação de incredulidade. O processo de negação é muito comum. Mas como o câncer de mama não estigmatiza muito por risco de morte, as mulheres de hoje, trabalhadoras e cuidadoras dos filhos e da casa, tendem a minimizar o impacto. Limitam seu pensamento e a exteriorização de seus sentimentos e depois que se curam é que explodem”, diz a psico-oncologista da Associação Espanhola Contra o Câncer (AECC), Teresa López-Fando.

O estudo do Sant Pau, prelúdio de uma pesquisa internacional prospectiva com outros sete hospitais europeus, põe sobre a mesa “algo que os médicos que atendemos essas pacientes já sabíamos”, diz Jaume Masià, artífice do estudo e diretor do serviço de Cirurgia Plástica do Sant Pau. “Percebíamos que a mulher não vinha somente por causa de um problema físico. A maioria vinha também com um problema emocional. Tínhamos uma sobrevivência de 89%, mas elas não se sentiam saudáveis”, relata o cirurgião plástico.

Os pesquisadores analisaram 175 mulheres do conjunto de pacientes atendidas por essa patologia no Sant Pau e concluíram que 67% delas apresentam um impacto em sua qualidade de vida: 83% têm sequelas físicas, 68% emocionais, 73% cognitivas e 79% sociais após o tratamento. E 76% não conseguem desempenhar seus papéis habituais com normalidade. “Esse estudo confirma o que já sabíamos. Independentemente do prognóstico, o câncer de mama tem um impacto na saúde, na imagem, na vida familiar – porque envolve toda a família – e no âmbito profissional. Afeta mulheres em idades em que são o pilar da família e o impacto social é maior”, afirma o médico Miguel Ángel Seguí, porta-voz da Sociedade Espanhola de Oncologia Médica (SEOM).

Os especialistas concordam que algumas sequelas físicas são muito estudadas e atendidas, como o linfedema, um acúmulo anormal de líquido no tecido mole causado pela obstrução do sistema linfático e que pode ser incapacitante. Mas ainda há muitos aspectos a abordar quanto às consequências derivadas do processo cancerígeno. “Concentramo-nos tanto nos tratamentos e em salvar essas mulheres que não atentamos para outros elementos como o acompanhamento posterior”, admite López-Fando.

“Tínhamos uma sobrevivência de 89%, mas elas não se sentiam saudáveis”, diz o cirurgião Masià

De fato, com a alta médica na mão, a queixa mais recorrente das sobreviventes é que ficam numa terra de ninguém. Durante o diagnóstico e o tratamento estão sob o abrigo dos equipamentos oncológicos, mas, uma vez superada a doença, há um vácuo administrativo que não se resolve se seus médicos de referência, os que têm de tratar as sequelas do processo cancerígeno, são, por exemplo, os oncologistas ou os clínicos gerais. “O que gera angústia é a transição, o que elas chamam de abandono dos oncologistas. Vivem em um limbo assistencial”, admite a psico-oncologista. “Existe um problema no modo como fazemos o acompanhamento dessas mulheres. Antes era feito pelos oncologistas, mas à medida que a sobrevivência aumenta, com o volume de sobreviventes que temos e suas problemáticas, não conseguimos mais. É necessário que haja um continuum assistencial, mas é muito difícil”, acrescenta Seguí.

Além disso, as sobreviventes têm de enfrentar uma nova realidade na qual, efetivamente, “há uma mudança de valores de vida nelas e precisam se adaptar ao fato de que a sociedade não sofreu essa mudança com elas”. Também em sua vida pessoal. Segundo o estudo, só 20% das mulheres pesquisadas afirmavam ter uma vida sexual ativa. “Há um impacto muito claro em sua vida sexual. Há uma diminuição da libido”, diz Seguí.

Entre 60% e 70% dos casos analisados apresentam sequelas na funcionalidade física, emocional ou cognitiva

A integração profissional é outro elemento pendente. “Menos de 40% estão na mesma situação profissional que antes do câncer”, diz o porta-voz da SEOM. O estudo do Sant Pau aponta que 46% das mulheres em idade laboral não trabalha e 61% delas vinculam o motivo do desemprego a seu câncer de mama. “Têm problemas de insegurança e autoestima, medo de não ter o mesmo rendimento de antes. Para as autônomas a única opção é voltar a trabalhar, mas fisicamente se sentem diferentes. A situação das que trabalham depende muito da sua relação com a empresa, se facilitou as coisas para elas ou não”, observa López-Fando.

Os especialistas reconhecem que é preciso abordar o dia seguinte, tanto do ponto de vista médico como do jurídico. “Enfrentam dificuldades para obter licenças, seguros médicos, hipotecas…”, diz a psico-oncologista. Contudo, alertam, algumas sequelas são permanentes. “Algumas sequelas físicas vão durar para sempre porque têm impacto em seu estilo de vida, mas há afecções da quimioterapia que se resolverão em dois ou três anos”, conclui Seguí.

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A legalização medicinal da maconha afeta seu consumo ilegal?

Estudo aponta que número de consumidores na ilegalidade aumentou mais nos estados norte-americanos que aprovaram o seu uso medicinal

maconha

Um estudo publicado recentemente pela revista JAMA Psychiatry mostra que o consumo ilegal da maconha aumentou, assim como os casos de abusos, nos Estados dos EUA que aprovaram seu uso medicinal. Para os autores do estudo, a simples aprovação da lei faria com que diminuísse a percepção social da droga como prejudicial, favorecendo o aumento de consumidores.

Por ser uma federação, os EUA permite que se façam experiências importantes sobre a eficácia das leis e da ação política. É o caso, por exemplo, da pena de morte, em que, para além do aspecto moral, foi possível observar a sua eficácia nula: nos estados onde ocorrem execuções, a média de assassinatos é igual ou até mesmo superior à daqueles onde a pena capital foi abolida. No caso da maconha, também pode-se fazer comparações e atestar, assim, o impacto de sua legalização.

Até os anos 90, o consumo da maconha era ilegal em todo o país. 29 Estados já legalizaram o seu uso medicinal e outros oito aprovaram seu uso recreativo. Como essas novas legislações afetaram o uso ilegal da droga?

O uso e abuso da cannabis aumentou quase 60% a mais nos estados que legalizaram o seu consumo medicinal. Esse é o principal dado a que chegou um estudo publicado recentemente pela revista JAMA Psychiatry. Entre 1991 e 2013, o consumo da cannabis cresceu 2,2% onde ele continua sendo completamente ilegal, enquanto aumentou em 3,6% nos estados que a legalizaram de alguma forma.

29 Estados legalizaram o uso medicinal da cannabis e outros oito liberaram o consumo recreativo

Os dados se baseiam em uma série de três estudos epidemiológicos sobre bebidas alcoólicas e outras drogas realizados em 1991, 2001 e 2013 pelas autoridades da área de saúde dos EUA. No seu conjunto, participaram 120.000 pessoas maiores de 18 anos. Os números totais do consumo da maconha nos EUA durante as últimas décadas mostram uma curva típica. Na última década do século passado, o consumo da droga caiu levemente. Desde que se iniciou o século XXI, porém, a curva se inverteu e não parou mais de subir.

Mas as curvas dos Estados onde a droga foi sempre ilegal são diferentes das daqueles onde seu uso foi legalizado no intervalo entre uma pesquisa e outra. Assim, quando a primeira pesquisa foi realizada (1991-1992), não havia nenhum estado em que fumar maconha fosse uma ação descriminalizada. O uso, então, era semelhante em todos os Estados. Destacava-se apenas a Califórnia. Talvez pelo fato de ser um Estado tradicionalmente mais liberal, ali o número de consumidores de cannabis era quase o dobro da média dos EUA, antes e depois da legalização.
As coisas mudaram na pesquisa de 2001-2002. Nessa ocasião, já havia seis estados onde o uso medicinal da maconha era legal, entre eles Califórnia e Colorado. Embora a média do consumo no país tenha diminuído, nesses estados ela se manteve estável. As diferenças são ainda mais flagrantes na pesquisa de 2012-2013, a mais recente que foi disponibilizada. Os autores do estudo mostram que nos Estados onde ela continua ilegal o consumo subiu 3,5%. Mas a taxa sobe para até 5% de crescimento em Estados como Massachusetts, Michigan, Montana e outros vinte que descriminalizaram o consumo medicinal neste século. Os percentuais são ainda mais elevados nos Estados pioneiros: 5,3% na Califórnia e 7% em Colorado, onde o uso recreativo da maconha já foi aprovado mais recentemente – em 2016 e 2012, respectivamente.

Em estados pioneiros na legalização, como a Califórnia e o Colorado, o aumento do consumo ilegal é duas vezes superior ao dos demais Estados

“Tanto na Califórnia como no Colorado houve um crescimento explosivo de distribuidores de maconha medicinal desde 2009. O estudo não consegue provar que essa seja a causa, mas se trata de uma possível explicação”, afirma a médica Deborah Hasin, professora da Escola Mailman de Saúde Pública da Universidade Columbia (Nova York) e principal autora do estudo. Embora o motivo das diferenças entre os Estados não tenha sido o objeto de sua pesquisa, para a pesquisadora, elas podem decorrer de mudanças na atitude em relação à droga, à percepção da cannabis como algo mais seguro, ou, inclusive, ao desvio ilegal da maconha dos distribuidores para traficantes.

Considerando os dados da amostra para todo o país, “a aprovação da legislação sobre a maconha medicinal seria a responsável por 1,1 milhão a mais de consumidores adultos da cannabis ilegal e cerca de 500.000 com transtornos devido ao uso abusivo”, concluem os autores do estudo. Para Hasin, essas leis podem ter beneficiado as pessoas que têm problemas de saúde, mas “mudar a legislação estadual, seja para uso recreativo ou medicinal, também pode ter efeitos negativos sobre a saúde pública”. A alusão feita por Hasin ao uso recreativo não é casual. Vários estados dos EUA, a começar pelos pioneiros no uso medicinal, planejam ou já aprovaram a legalização também do consumo da maconha pelo simples prazer de “puxar um fumo”.

 

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Vende-se animal extinto: 3,50 reais cada um

A exportação de fósseis é um setor desregulado, baseado na mão de obra barata e no qual convivem cientistas e colecionadores privados

 

Benaqla Sadki trabalha procurando fósseis perto de Erfoud (Marrocos).

Benaqla Sadki é um homem magro, de mãos rudes e quase sem dentes. Diz ter 45 anos, mas aparenta pelo menos 10 a mais. Ele vive na cidade de Erfoud, no sudeste do Marrocos, trabalha num buraco de cinco metros que cavou a golpes de pá e picareta. Retira os escombros escalando pelas paredes com uma agilidade espantosa. Levou um mês para abrir a fossa, e ainda terá que continuar cavando vários metros na horizontal antes de encontrar o que busca. Trabalha assim inclusive no verão, com temperaturas que superam os 40 graus. “Isto é o que tenho que fazer para ganhar o pão”, diz em francês.

Há 450 milhões de anos, o deserto do Saara era o fundo do oceano situado em torno do Polo Sul. Fazia parte do supercontinente de Gondwana. As costas eram similares às da Antártida, e em suas águas viviam trilobitas, animais que desenvolveram olhos de vidro e exoesqueletos para se proteger de seus predadores, os ortoconos (cefalópodes parecidos com lulas, mas com concha) e bivalves semelhantes aos atuais. Todos esses animais e muitos outros foram extintos há centenas de milhões de anos, mas seus corpos fossilizados continuam debaixo da terra e são contados aos milhões.

“Graças ao comércio de fósseis, foram definidas em Marrocos cerca de mil novas espécies de invertebrados paleozoicos”, diz o pesquisador espanhol Juan Carlos Gutiérrez-Marco, que todos os anos viaja de jipe de Madri até a região

Sadki é uma das centenas de catadores de fósseis nesta zona desértica do Anti-Atlas marroquino. Procura crinoides, animais marinhos caracterizados por seus vistosos cálices e pedúnculos. O preço depende do tamanho da peça. “Por uma boa placa podem me dar 3.000 dirhams [955 reais]”, diz. Às vezes, passa até quatro meses cavando sem encontrar nada, conta. Estes trabalhadores são a mão de obra barata que sustenta o mercado de fósseis em Marrocos, um dos principais exportadores em nível mundial. Nas lojas das localidades de Erfoud, Alnif e Rissani, pode-se comprar pelo equivalente a 3,50 reais trilobitas que cabem na palma da mão (são vendidos em caixas de 200 unidades), e placas com vários desses animais por mais de 3.500 reais. Há até tampos de cozinha e banheiro feitos com pedra calcária cheia de animais extintos. Uma vez retiradas do país, as peças mais valiosas são vendidas pela Internet por dezenas de milhares de reais.

Toda esta atividade, que dá de comer a muitas famílias na região, não está regulada. Grande parte dessa riqueza fóssil acaba no estrangeiro, na maioria de casos sem passar pelo controle das autoridades.

Um cortador de pedra em Erfoud. 
Um cortador de pedra em Erfoud.
Numa das entradas de Erfoud, o som das serras é constante. Em meio a nuvens de pó asfixiante, trabalhadores com o rosto e os olhos tampados por lenços e óculos cortam placas de fósseis para sua posterior venda. São o elo seguinte da cadeia, os preparadores. Os mais qualificados usam brocas similares aos de um dentista e polidores que cospem uma areia fina, separando assim os trilobitas da pedra até deixá-los quase totalmente soltos, mas sem danificar os espinhos defensivos de algumas espécies. Além das lojas abertas ao público, alguns comerciantes têm armazéns privados nos quais oferecem garras de dinossauro por 860 reais, mandíbulas de baleia extinta por 5.200 reais, ou tochas de pedra esculpidas por humanos há dezenas de milhares de anos por 170 euros cada uma. Uma vez preparados para a venda, o preço dos fósseis na loja é pelo menos o dobro do que se paga a quem o coletou, e às vezes muito mais.

Cientistas de vários países peregrinam a esta região em busca de descobrimentos de alto impacto. É uma forma de fazer paleontologia que começa em lojas e feiras da Europa ou EUA. Os investigadores perguntam aos vendedores sobre a origem de um fóssil de invertebrado ou vertebrado interessante. O rastro os leva às muitas pedreiras do sudeste de Marrocos. Se tiverem sorte, os comerciantes locais os levam até o local exato de onde saiu uma espécie desconhecida, e os coletores lhes deixam escavar. Só há uma condição: que paguem pelo que encontrarem.

Um preparador de fósseis limpa um trilobita. 
Um preparador de fósseis limpa um trilobita.
“Graças ao comércio de fósseis foram definidas em Marrocos quase mil novas espécies de invertebrados paleozoicos”, diz Juan Carlos Gutiérrez-Marco, pesquisador do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) da Espanha. Anualmente, esse geólogo faz uma viagem de ida e volta em jipe de Madri a Marrocos para ver quais animais novos estão sendo extraídos, comprar alguma peça interessante e realizar suas próprias escavações nas zonas que ainda não foram exploradas. O pesquisador já descreveu três novas espécies e tem outras sete na gaveta.

Marrocos tem amplos afloramentos dos períodos Cambriano, Ordoviciano, Siluriano e Devoniano, que abrangem entre 540 e 350 milhões de anos atrás. O fato de não haver uma camada de vegetação por cima faz desta zona de Marrocos um dos melhores lugares do mundo para encontrar fósseis.
“No ritmo atual de exploração, as reservas demorariam séculos para se esgotarem”, diz Gutiérrez-Marco.

Os comerciantes locais deixam os cientistas escavarem, desde que paguem

Um dos achados científicos mais recentes nesta área foi o anomalocaris-gigante (Aegirocassis benmoulae), um artrópode marinho de aproximadamente dois metros de comprimento, que era provavelmente o maior animal do mundo há 480 milhões de anos. Os cadáveres desses animais e outros do seu ecossistema ficaram tão bem preservados no sedimento que os órgãos e partes moles se fossilizaram, algo excepcional, comparável apenas aos famosos xistos de Burgess, no Canadá, e a outros similares na China.

Mohamed Ben Moula, de 63 anos, é um ex-pastor de camelos que se tornou caçador de fósseis. Ele achou os primeiros anomalocaris e os vendeu a Brahim Tahiri, um dos comerciantes de fósseis mais ricos da região. Tahiri mostrou o material a Peter Van Roy, pesquisador da Universidade de Yale (EUA) que, junto a outros colegas, estudou e publicou os detalhes sobre a nova espécie. Todos os fósseis descritos foram escavados por Ben Moula. Entre 2009 e 2014, o Museu Peabody de História Natural da Universidade de Yale comprou do marroquino toneladas de pedras com fósseis extraídas de suas pedreiras, um total de 10.000 especimes que custaram 210.000 dólares (660.000 reais), diz Van Roy. O estudo mais importante sobre a nova espécie, assinado por Van Roy e Derek Briggs, geólogo veterano de Yale e ex-diretor do Museu Peabody, foi publicado na prestigiada revista Nature, um pódio para qualquer cientista.

Van Roy destaca o trabalho de Ben Moula pois, sem sua atividade comercial, não seriam possíveis descobertas como a sua. Além disso, o marroquino vende mais barato para os cientistas. “Se você vê esses preços levando em conta a quantidade de trabalho necessária para tirar toneladas de pedra, o valor de venda é uma pechincha”, admite Van Roy. Depois de Yale, o Museu Real de Ontário (Canadá) comprou esse tipo de fósseis de Ben Moula e a família atualmente está negociando a venda de mais material para museus europeus, diz Van Roy. O pesquisador reconhece as desigualdades entre os coletores que fazem o trabalho mais duro e os magnatas como Brahim Tahiri. O comerciante tem uma das maiores lojas de fósseis de Erfoud e dinheiro suficiente para viajar aos Estados Unidos e vender diretamente aos colecionadores mais ricos. “Nas feiras dos Estados Unidos, Tahiri chega a ganhar meio milhão de dólares em uma semana”, afirma Van Roy. Tahiri se recusou a ser entrevistado para esta reportagem.

Pedreira de fósseis aberta por mineiros com barras de ferro e picaretas em Kaid Rami. 
Pedreira de fósseis aberta por mineiros com barras de ferro e picaretas em Kaid Rami.
Hasna Chenaui, geóloga da Universidade Hassan II de Casablanca, é secretária-geral da Associação para a Proteção do Patrimônio Geológico de Marrocos. Chenaui diz que a exportação indiscriminada de fósseis não é um caso isolado. No mês passado uma casa de leilões de Paris pôs à venda o esqueleto quase completo de um plesiossauro marinho de nove metros por um preço inicial de 350.000 euros. O fóssil, de 66 milhões de anos, veio das minas de Khouribga, no sudeste de Marrocos, sem que os especialistas saibam dizer como saiu do país. A pressão da associação de Chenaui contribuiu para que o Governo marroquino interviesse para impedir a venda, mas o fóssil ainda não voltou ao país, diz Chenaui. “Marrocos, com um patrimônio geológico tão rico, não tem uma regulamentação específica para protegê-lo”, nem a teve durante décadas, diz. Isto faz que, atualmente, “tudo o que se extrai seja exportado e não permaneça no país”, afirma.

Sua associação não é a favor de proibir o comércio ou a exportação de fósseis, especialmente porque muitas famílias dependem do setor, mas colaborou com o Governo para desenvolver uma lei que regulamente as licenças de extração e venda, dê direitos aos trabalhadores, crie museus públicos que por sua vez possam gerar turismo e desenvolvimento sustentável, promova a formação acadêmica de pessoas da região e impeça a exportação dos fósseis de maior valor, observa a geóloga. Segundo Chenaui, o desenvolvimento dessa regulamentação, a cargo do Ministério de Energia, Minas, Água e Meio Ambiente, está parada nos últimos meses. “Acho que se assustaram com o barulho midiático no caso do plesiossauro e, além disso, foram pressionados por vendedores e comerciantes”, diz Chenaui. Este jornal tentou ouvir a versão do Governo marroquino sem sucesso.

Disponível: 
 http://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/26/ciencia/1493220159_942536.html 
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VIDHA LINUS

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