Projeto em tramitação na Assembleia pode diminuir em 70% a maior unidade de conservação do Sul do Brasil.
10 dez 2017
10h58 atualizado em 12/12/2017 às 07h25
Um grupo de 40 artistas paranaenses, incluindo o ator
Luís Melo, da TV Globo, a cantora Rogéria Holtz e o humorista Diogo
Portugal, está se mobilizando para evitar a redução em quase 70% da
maior unidade de conservação do Sul do Brasil. Trata-se da Área de
Proteção Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, localizada na região dos
Campos Gerais, a 35 quilômetros de Curitiba.
O clipe “Pare. Preste Atenção!”, lançado por eles em 30 de novembro, já
atingiu a marca de 500 mil visualizações e mais de um milhão de pessoas
alcançadas, entre YouTube e Facebook. O objetivo é pressionar os
deputados estaduais para que não aprovem o projeto de lei 527/2016,
diminuindo a APA de 392 mil para 126 mil hectares. O vídeo foi produzido
pelo Observatório de Justiça e Conservação e está disponível nos links
www.youtube.com/watch?v=AMNDtGkajWc
e
www.facebook.com/justicaeco
.
Uma das compositoras da música é a cantora curitibana Raissa Fayet.
Quando foi convidada a gravar um depoimento sobre o assunto, ela viu a
oportunidade de mobilizar a classe artística e fazer um movimento maior,
como no caso da demarcação de terras indígenas. “A minha bisavó nasceu
em uma das cidades por onde passa a escarpa. Tenho uma ligação afetiva.
Também sou super ativista socioambiental; a favor da preservação do que
resta na nossa terra sagrada. Temos pouco e ainda querem desmatar.
Precisamos botar a boca no trombone”, contou.
De autoria do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep),
Ademar Traiano (PSDB), e do primeiro secretário da Casa, Plauto Miró
(DEM), o PL 527 divide opiniões entre ambientalistas e o setor
produtivo. Na justificativa, os dois parlamentares argumentam que
pretendem garantir "maior segurança jurídica" aos agricultores. A
alteração na legislação permitiria, ainda, a realização de ações mais
ostensivas nos setores de pecuária e mineração. O líder do governo Beto
Richa (PSDB) na Alep, Luiz Cláudio Romanelli (PSB), também referendava o
texto original, entretanto, optou por retirar a assinatura, após fazer
uma “autocrítica”.
O projeto se baseia em um estudo da Fundação ABC, ligada ao
agronegócio, e que não foi tornado público até hoje. Por ser uma
entidade privada, a ABC justifica que não precisa divulgar o teor do
levantamento. Na mensagem, constam apenas as coordenadas e um "novo
mapa" para a APA, feitos pela fundação com base em imagens de satélite.
Não foram detalhadas questões como metodologia, critérios e ferramentas
utilizadas para se chegar ao perímetro. Conforme os deputados
governistas, contudo, a matéria nada mais faz do que regularizar áreas
já produtivas entre o Primeiro e o Segundo Planalto Paranaense.
A Escarpa Devoniana é uma formação geológica rochosa que se formou há
mais de 400 milhões de anos, no período Devoniano. Ela fica localizada
dentro da APA e deu nome à unidade de conservação de uso sustentável,
criada em 1992, para proteger importantes remanescentes de dois
ecossistemas associados ao bioma Mata Atlântica e altamente pressionados
por décadas de exploração: a Floresta com Araucária e os Campos
Naturais, além de espécies animais ameaçadas de extinção. Na APA, também
existem atrativos turísticos, como o Cânion do Guartelá, em Tibagi e os
parques estaduais de Vila Velha, em Ponta Grossa, do Monge, na Lapa, e
do Cerrado, em Jaguariaíva.
"Mutilação"
De acordo com o vice-presidente do Observatório, Aristides Athayde,
todas as áreas de proteção ambiental são fantásticas porque funcionam
como laboratório de convivência entre o homem e a natureza. “Nós, seres
humanos, nos educamos e aprendemos a agir com o mundo natural graças à
existências dessas APAs (…) Aqui no nosso caso, o governo do Estado não
consegue, em primeiro lugar, admitir que o desenvolvimento e a
conservação andam lado a lado. E, em segundo lugar, não admite que
aquele que desrespeita o meio ambiente – que não é propriedade do dono
da terra ou do governante, e sim de todos - deve no mínimo sofrer as
consequências previstas pela lei”, opinou.
Também fundador do HUB Verde e membro da Comissão de Direito Ambiental
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado disse que a intenção
dos autores do PL é transformar a área num grande canteiro de soja e
pinus. “Não falamos nem em redução, e sim mutilação. É tirar 70% de uma
região em que os diferentes pedaços de terra dialogam entre si, têm suas
peculiaridades e riquezas. Todos com quem conversamos se convencem de
que por trás desse projeto existem interesses escusos, egoístas e
gananciosos”, comentou.
Debate
Diante de tantas opiniões divergentes, Traiano se comprometeu a
“esgotar o debate”, ouvindo todos os segmentos, e assegurou que a
mensagem não será votada em 2017. O texto segue em análise na Comissão
de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais da Casa, sem previsão
de ir a plenário. “Acho normal a participação de todos, colocarem-se
contrários a matérias que venham a mexer com o meio ambiente e outras
decisões que possam afetar a economia do Estado, segmentos produtivos...
A Casa aqui é aberta para discussão. Vejo com bons olhos, não me
posiciono contra. Agora, é uma coisa muito técnica. E, portanto, acho
que o aval de quem realmente tem bagagem e conhecimento é que vai
preponderar numa decisão futura”.
O tucano falou que assistiu ao vídeo e que não tem nada a contestar.
“Também recebi aqui na Casa um movimento de ambientalistas que vieram
trazer documentos. Recebi, encaminhei à Comissão e dei a informação de
que nós pedimos ao Conselho Estadual da APA que se manifeste (…) Eu
apareço no clipe sim, até porque, na forma como eu fui questionado, dava
a impressão de algo que estava sendo induzido a uma questão de ordem
pessoal e eu me posicionei”, completou. Ele negou, ainda, que tenha se
arrependido de assinar a matéria. “Pelo contrário. Em nada na vida me
arrependo. Prefiro errar convicto muitas vezes do que ficar indeciso
naquilo que for fazer. A minha função é de mediador. Vou fazer isso, no
sentido de conduzir uma boa decisão sobre o assunto”.
Mesmo com o adiamento da votação do projeto, Aristides Athayde reiterou
que a mobilização continua. Até agora, quase 100 mil e-mails foram
enviados pela sociedade aos deputados por meio do
site www.osultimoscamposgerais.com.br, pedindo a rejeição da matéria.
“As questões ambientais não vão mais passar despercebidas. Chamamos a
atenção da sociedade, graças ao esforço voluntário de artistas e
ambientalistas, e conseguimos tocar fundo na alma do paranaense”,
comemorou.
Artistas envolvidos
O narrador do curta “Pare. Preste Atenção!” é Luís Melo, atualmente no
ar com a novela “O outro lado do paraíso”, na TV Globo. O trabalho conta
com a participação de Du Gomide, produtor da canção, O Vagabundo Nato,
Marano, Lucas Ajuz, Dow Raiz, os instrumentistas Galeno de Castro
(percussão) e Renan Henche (baixo), Bernardo Bravo, Dow Raiz, Gus Benke,
Karla Keiko, Laís Mann, Lucas Lepca, Nathalia Picoli, Rodolpho Grani,
Rodrigo Lemos, Thais Morell, Ticho Looper, Tuyo, Veronica Rodrigues e
Uyara Torrente.
Também participaram Leo Fressato, Ana Larousse, Daniel Dach, Galeno de
Castro, Juliana Zaniolo, Kelly Eshima, Lucas Ajuz, Ravi Brasileiro,
Renaclo Filho, Rimon Guimarães, Vivian Reinmann e Tim Kenny. Henrique
Paulo Schmidlin e o montanhista e ativista ambiental conhecido como
“Vitamina". A mixagem e masterização da música são assinadas por Fred
Teixeira. Fábio Farina fez a pré-produção. Há ainda uma versão com
legendas em português e tradução para libras feita por Fernanda Bruni e
colaboração de André Gomides e Gabriel Teixeira.