Violações, suicídios e homicídios online. Há cada vez mais crimes nos vídeos em direto nas plataformas cibernéticas
Não são fake news,
são reais e são mesmo dadas em primeira mão nas redes sociais. Dias
depois de, em Cleveland, nos EUA, um homem ter assassinado a tiro outro
em direto no Facebook Live, acabando depois morto após perseguição
policial, surgiu um outro caso chocante: um pai usou um smartphone e a
mesma plataforma para mostrar-se ao mundo a cometer o homicídio da filha
de 11 meses. Suicidou-se depois. São os mais recentes crimes em direto
que a internet permite, depois do registo já de violações, agressões,
suicídios ou incitamentos ao suicídio, de que é exemplo o chamado jogo
Baleia Azul , que em Portugal já fez duas vítimas: uma jovem que, numa
tentativa de suicídio, se atirou para a linha férrea, e um rapaz, que
"desenhou" uma baleia no braço com um objeto cortante.
As
responsabilidades sobre este caminho podem dividir-se entre os vários
intervenientes. Em primeira e principal instância, há a pessoa que
comete o crime de forma pública ao fazer a sua transmissão por meios
audiovisuais, sendo que em algumas situações acaba por também morrer em
consequência dos atos. Depois a plataforma que permite a transmissão do
vídeo, como o Facebook Live ou o Periscope do Twitter, entre outras. O
que podem fazer para evitar a difusão de crimes e não só mensagens de
ódio ou de incitamento ao terrorismo? E quem vê e partilha estes vídeos
também pode ser apontado como propagador do crime e do voyeurismo?
No
caso ocorrido em Phuket, na Tailândia, a mãe da bebé morta pelo marido,
desculpa tanto o Facebook como os utilizadores que partilharam o vídeo.
"Não culpo o Facebook e as pessoas que partilharam para mostrar o
horror", disse Chiranut , 21 anos. Mas os dois vídeos gravados pelo
marido estiveram mais de 24 horas online e tiveram centenas de milhares
de partilhas. Chegou ainda a ser colocado um dos vídeos no YouTube.
O
Facebook assumiu a necessidade de travar estes vídeos com mais rapidez,
já que é praticamente impossível impedir no primeiro momento a exibição
de um ato tresloucado quando se trata de uma transmissão em direto.
Contactada pelo DN, a empresa criada por Mark Zuckerberg não faz uma
declaração oficial, remete antes para a informação que tem veiculado
recentemente e em que diz estar muita atenta às violações das regras da
comunidade, apelando aos utilizadores para fazerem denúncias. O Facebook
diz também estar a melhorar a resposta tecnológica para acudir mais
eficazmente às denúncias e a recrutar mais pessoal para as equipas que
analisam as queixas e monitorizam os vídeos em direto, por compreender a
enorme responsabilidade que é a exibição de imagens em tempo real.
A
tecnologia pode ser melhorada, admite o Facebook, que depende muito da
combinação entre inteligência artificial, moderadores humanos e alertas
dos utilizadores para monitorizar toda a vastíssima rede. Quando um
vídeo ou um post tem várias denúncias, o algoritmo vai alertar os
moderadores. A empresa assumiu já que precisa de fazer mais.
"Todas
estas plataformas - especialmente as de live video - encorajam os
utilizadores a fazerem uma atuação. "Deve o Facebook ter o dever de
socorrer uma vítima de crime? E devemos nós fazê-lo, ou é correto para
milhões de pessoas assistir a um crime ser cometido sem fazer nada a não
ser partilhá-lo?", lançou Elizabeth Joh, professora de Direito na
Universidade da California Davis, que tem dedicado atenção a este
problemas.
A questão é que a
sociedade usa em todas as suas vertentes as redes sociais. "As pessoas
postam tudo nas redes sociais", aponta Rui Abrunhosa Gonçalves,
psicólogo forense, para quem é possível ver nos vídeos com crimes uma
extensão da diversidade social, para o bem e para o mal. "Requer uma
investigação muito cuidada dos casos e sobre quem os pratica. A
motivação de um homicida é diferente da de um suicida ou um violador. É
preciso conhecer as motivações de quem faz isto. Há diferenças entre os
casos. Haverá os narcisistas que gostam de dar nas vistas, os que
procuram chamar a atenção para os seus problemas. Em geral, do que se
conhece, não podemos falar em pessoas com um funcionamento normal da
personalidade", disse ao DN o professor na Universidade do Minho.
Quem
assiste e partilha também pode ter um perfil diverso. Pode haver quem o
faça como forma de denúncia, embora discutível, mas não é nova a
indiferença de pessoas perante crimes, já acontecia antes da internet. E
a violência atrai. "As pessoas acolhem todas as situações que têm que
ver com crime e violência. Há um sentido perverso de observar a
desgraça. E quem difunde o crime sabe que vai ser visto e seguido por
muitos, nem que seja para dizer mal", aponta Carlos Poiares, professor
na Universidade Lusófona, com percurso nas áreas da psicologia criminal e
do comportamento desviante. "A ostentação desse comportamento desviante
nas redes sociais mostra que a sociedade atual é uma espécie de
passerelle, com a internet a ser um local onde tudo é possível, onde se
encontra explicações para tudo."
Os
riscos desta difusão de violência e comportamentos antivida são reais e
difíceis de travar. "Isto tem uma dimensão pouco controlável", refere
Rui Abrunhosa Gonçalves, sobre o comportamento dos utilizadores, já que
da parte das plataformas há possibilidade de melhorar os filtros. Os
efeitos nos mais vulneráveis, sobretudo adolescentes, têm já
repercussões com suicídios, violações em grupo. "Tem obviamente
repercussões, com o fator mimético a ter relevância", diz Carlos
Poiares. "A tecnologia controla estas atitudes. Tem de haver formação
para a cidadania, com prevenção e bom senso. A prevenção junto dos mais
novos é essencial e deve envolver as escolas, as autarquias e os
profissionais de saúde mental."
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