O recente surto de febre amarela que atinge Minas Gerais revela mais uma faceta do caos no qual estamos afundando
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Rua na periferia do Distrito Federal. ARQUIVO/ABR |
O recente surto de febre amarela que atinge Minas Geraisrevela mais uma faceta do caos no qual estamos afundando. Não bastassem a corrupção desenfreada, o péssimo sistema de educação, o falido sistema de saúde, a privação do nosso direito de ir e vir devido à violência urbana, o desemprego descontrolado e o abismo que separa ricos e pobres — todos sinais exteriores de subdesenvolvimentismo —, agora temos de conviver com doenças típicas do Terceiro Mundo, resultado da falta de saneamento básico.
Conforme dados do Atlas do Saneamento Básico, mais da metade da população brasileira vive sem acesso a redes de coleta de esgoto, ou seja, mais de 100 milhões de pessoas estão expostas diariamente a inúmeras doenças, que incluem diarreia, tifo, cólera, hepatite e leptospirose. Além disso, o esgoto a céu aberto amplia de forma considerável a proliferação do Aedes aegypti, mosquito responsável pela transmissão dos vírus que provocam a dengue, a chicungunha, a zika — e também a febre amarela.
A febre amarela provocou, apenas na primeira quinzena de janeiro, 32 mortes em Minas Gerais e três em São Paulo, confirmadas pelo Ministério da Saúde, além de haver dezenas de casos suspeitos em vários estados. Em todo o ano passado, foram registrados apenas cinco óbitos resultantes da doença. Embora o surto esteja até agora limitado a áreas silvestres, cujo vetor é o mosquito Haemagogus, especialistas alertam que, como o Aedes aegypti, que encontra-se disseminado por todas as regiões do país, também pode transmitir o vírus, é grande a possibilidade de que a febre amarela chegue aos centros urbanos, o que não ocorre desde 1942. De cada 100 pacientes infectados pelo mosquito, dez apresentam infecção grave.
Em 2016, o Aedes aegypti, que fora erradicado do Brasil em 1955, infectou 1,9 milhão de pessoas, provocando 794 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde. Foram registrados 1,5 milhão de casos de dengue com 629 mortes, segundo maior número desde 1990, quando os dados começaram a ser compilados. A chicungunha, identificada pela primeira vez no Brasil em 2014, registrou 265 mil casos, com 150 mortes, aumento de mais de 1.000% em relação ao ano anterior, que computou 14 mortes. Já a zika, detectada por aqui em abril de 2015, registrou 214 mil casos com seis mortes.
No caso do zika vírus, apesar do número de óbitos ser pequeno, as consequências em termos de saúde pública são mais graves, devido aos problemas de má formação dos fetos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), até outubro do ano passado o Brasil somava 2,1 mil bebês nascidos com microcefalia associada ao zika vírus, enquanto o Ministério da Saúde admitia a existência de outros três mil casos suspeitos em análise. Além da microcefalia congênita, o vírus, que tem preferência pelo sistema nervoso central, pode provocar meningite, encefalite e Síndrome de Guillain-Barré, paralisia que chega a atingir todos os músculos.
O Brasil ocupa, no contexto mundial, a 112ª posição em um ranking de saneamento básico que engloba 200 países. De acordo com estatísticas baseadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), as ausências de funcionários que tiveram sintomas de infecção gastrointestinal representam por ano a perda de 849 mil dias de trabalho. Estima-se que ao ano as empresas gastam 1 bilhão de reais em horas pagas não trabalhadas, dinheiro que, segundo o estudo, poderia ser revertido em investimentos e contratações. A universalização dos serviços de água e esgoto poderia reduzir em 23% o total de dias de afastamento por diarreia, diminuindo o custo das empresas em 258 milhões de reais.
A pesquisa apontou ainda que os trabalhadores sem acesso à coleta de esgoto ganham salários, em média, 10% inferiores aos daqueles com as mesmas condições de empregabilidade. Além disso, a universalização do saneamento poderia diminuir em 7% o atraso escolar, com reflexos no ganho de produtividade e aumento na remuneração futura. No entanto, a nossa realidade é outra: dados do Censo Escolar 2013, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que só 36% das escolas públicas têm esgoto encanado — mais da metade delas contam apenas com uma fossa...
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