Eles têm menos de 40 anos e representam 15 países da América Latina. Mas sua obra ultrapassa os limites da geografia e almeja alcançar simplesmente o patamar da boa literatura. Sem fronteiras. O Hay Festival anunciou nesta sexta-feira a lista dos 39 melhores novos autores de ficção da região, chamada de Bogotá 39. São, entre outros, as brasileiras Natalia Borges Polesso e Mariana Torres; o cubano Carlos Manuel Álvarez; o equatoriano Mauro Javier Cárdenas; os colombianos Felipe Restrepo Pombo, diretor da revista Gatopardo, Giuseppe Caputo e Juan Cárdenas; o chileno Gonzalo Eltesch; o peruano Juan Manuel Robles; os argentinos Mauro Libertella e Samanta Schweblin; e os mexicanos Valeria Luiselli e Daniel Saldaña París. Eles são alguns dos nomes dessa espécie de cânone literário apresentado na Feira do Livro de Bogotá (FILBO), que teve a sua primeira relação divulgada dez anos atrás na mesma cidade, projetando então escritores como Daniel Alarcón, Guadalupe Nettel e Juan Gabriel Vásquez, entre outros, “ajudando-os a se tornarem conhecidos fora de seus países e até mesmo do mundo hispânico”.
Dentro de um universo que vai da crônica à ficção científica, o Hay Festival procurou destacar “o talento e a diversidade da produção literária da região”, que serão reunidos, em janeiro de 2018, em uma antologia de contos ou trechos de romances. As novas vozes da América Latina escrevem em espanhol, português e inglês, traduzem, e trabalham como professores, editores ou jornalistas. O objetivo dessa seleção é, em última instância, “facilitar a divulgação de sua obra” com a ajuda de selos editoriais independentes e estimular sua difusão por meio de palestras e eventos em escolas, universidades ou centros culturais. A organização pretende, assim, “criar ligações entre a literatura de qualidade a as editoras locais relevantes”. Está prevista também uma versão em inglês, a ser publicada pela editora Oneworld.
Os autores escolhidos em 2007 foram encarregados de fazer uma primeira seleção de nomes, aos quais se somaram as propostas apresentadas por 80 editoras independentes e de grupos maiores. A comissão julgadora, formada por Dario Jaramillo, Leila Guerriero e Carmen Boullosa, teve de fazer a sua escolha a partir de um conjunto de 200 escritores. “A única coisa que buscamos foi a qualidade”, diz Guerriero, para quem “as discussões entre os jurados foram excelentes, com uma grande cordialidade, mesmo quando havia divergências. Este é, no fundo, o único critério que preside a definição da lista Bogotá 39: a boa prosa. Uma característica que rompe com os moldes e concepções tradicionais do mundo literário no continente. “Embora me pareça muito interessante que se trate de uma seleção latino-americana, já que lhe confere uma força de representatividade, a boa literatura não é norte-americana ou latino-americana”, raciocina a jornalista e escritora argentina.
Embora seja bastante complicado desenhar um mapa das inquietações e prioridades de uma geração, os autores da Bogotá 39 acabam por expressá-las, em grande parte, em suas obras. As temáticas políticas, por exemplo, se escasseiam, dando lugar ao universo dos laços pessoais. Até mesmo nos países atingidos por conflitos armados, como a Colômbia, destaca Leila Guerriero, a dimensão social passa, de alguma forma, para o segundo plano. “Os vínculos pessoais aparecem muito”. Laços entre cônjuges ou entre pais e filhos constituem fios condutores das narrativas. “Com duas alternativas. A primeira é a autoficção, a partir de uma voz infantil. A outra é a própria infância revista pelo adulto”.
COLÔMBIA E MÉXICO LIDERAM A LISTA
Com sete autores, o México é o país mais representado, seguido pela Colômbia (seis), na relação de autores feita pelo Hay Festival. Quatro mulheres, três homens, vozes narrativas distintas, mas todos de um mesmo lugar: Cidade do México. “Lamento o traço centralista, mas eu os chamaria de geração centopeia, pois seus passos se espalham por todos os lados”, diz Carmen Boullosa, a jurada mexicana, que afirma que os membros da comissão julgadora –com integrantes da Argentina, Colômbia e México—não realizaram escolhas por país, mas sim com um olhar latino-americanista”.
Com uma exceção – Gabriela Jauregui –, os escolhidos mexicanos são os mesmos de uma lista semelhante divulgada há dois anos na Feira do Livro de Londres. “Todos leram muito, viajaram, possuem uma prosa eficaz e sofisticada, marcada pela realidade mexicana, porém com uma aspiração universal”, conclui Boullosa.
Da mesma maneira, as histórias se desenvolvem preferencialmente em ambientes urbanos. “Não há quase nada no campo, com algumas belas exceções”, continua a escritora, que destaca nesse elenco de ficcionistas “a força da voz das mulheres, com forte personalidade, desenvoltura e ousadia na prosa, na experimentação”.
A lista Bogotá 39 celebra, certamente, uma pluralidade de olhares que vai muito além de uma suposta matriz identitária. “Não gosto de pensar na literatura como uma voz única”, afirma o colombiano Giuseppe Caputo, cujo primeiro romance, Un mundo huérfano[Um mundo órfão], publicado pela Random House, foi editado também na Espanha. Não existe, para um autor jovem, uma voz própria da região? “Quando me fazem essa pergunta, imagino uma luz atravessando um prisma e depois refratada, refletida e decomposta. A luz poderia ser o desejo de criação. O prisma, o passado e o presente de cada região. No caso da América Latina, um passado e um presente atravessado pela migração e, portanto, pela hibridez, mas também cheio de experiências de vida intoleráveis. A luz refratada, o arco-íris, poderia ser o desejo de criação transformado na diversidade de vozes que dão forma à literatura”.
“A literatura latino-americana é infinita”, avalia Juan Cárdenas. “É um universo completo que se comunica com outros universos. Por isso, não acredito que se possa falar de uma especificidade e muitos menos de uma família: essa metáfora do clã fechado, como de uma sociedade primitiva, é muito estreita para analisá-la, não faz justiça a algo que é muito mais amplo”.
“Também não gosto de pensar na literatura em termos de família”, prossegue Caputo. “Pelo menos em termos de família biológica ou da família tradicional”. “Parece-me que esse modelo caiu no desuso e que é a bandeira que hoje alimenta os novos fascismos”, avalia, referindo-se ao pertencimento a uma comunidade literária latino-americana. “É muito mais interessante pensar na criação de outras comunidades, comunidades que se alimentam de outras tradições. Para mim, a literatura é isto: poder criar diálogos e comunidades diversas e estranhas entre si. Transcender os vínculos biológicos, poder sair da casa da infância”.
E o futuro? “O futuro da literatura latino-americana só pode estar em um reposicionamento hábil das diferentes peças que dão forma à sua tradição”, acrescenta Cárdenas. “A tradição é algo que se sonha, que se projeta no tempo, como uma imagem sempre renovada do passado”.
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/05/cultura/1493956689_793884.html
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FICCIONISTAS DE 15 PAÍSES
Carlos Manuel Álvarez (Cuba)
Frank Báez (República Dominicana)
Natalia Borges Polesso (Brasil)
Giuseppe Caputo (Colômbia)
Juan Cárdenas (Colômbia)
Mauro Javier Cárdenas (Equador)
María José Caro (Peru)
Martín Felipe Castagnet (Argentina)
Liliana Colanzi (Bolívia)
Juan Esteban Constaín (Colômbia)
Lola Copacabana (Argentina)
Gonzalo Eltesch (Chile)
Diego Erlan (Argentina)
Daniel Ferreira (Colômbia)
Carlos Fonseca (Costa Rica)
Damián González Bertolino (Uruguai)
Sergio Gutiérrez Negrón (Porto Rico)
Gabriela Jauregui (México)
Laia Jufresa (México)
Mauro Libertella (Argentina)
Brenda Lozano (México)
Valeria Luiselli (México)
Alan Mills (Guatemala)
Emiliano Monge (México)
Mónica Ojeda (Equador)
Eduardo Plaza (Chile)
Eduardo Rabasa (México)
Felipe Restrepo Pombo (Colômbia)
Juan Manuel Robles (Peru)
Cristian Romero (Colômbia)
Juan Pablo Roncone (Chile)
Daniel Saldaña París (México)
Samanta Schweblin (Argentina)
Jesús Miguel Soto (Venezuela)
Luciana Sousa (Argentina)
Mariana Torres (Brasil)
Valentín Trujillo (Uruguai)
Claudia Ulloa Donoso (Peru)
Diego Zúñiga (Chile)
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