Meio Ambiente & Desenvolvimento Humano

quarta-feira, 17 de maio de 2017

“O universo terminará em um nada frio e escuro”

Astrofísica tenta descobrir a composição de 95% do universo que ainda desconhecemos


Catherine Heymans, física e especialista em matéria escura na Fundação BBVA, em Madri.
Catherine Heymans, física e especialista em matéria escura na Fundação BBVA, em Madri. KIKE PARA

A astrônoma Catherine Heymans imagina um final desolador para o cosmos. Há 20 anos, sabe-se que o universo está se expandindo cada vez mais rápido, impulsionado por uma misteriosa energia escura. “Embora as galáxias permaneçam unidas, porque a gravidade é muito forte, as estrelas esgotarão seu combustível e se apagarão lentamente, e tudo terminará em um nada frio e escuro.” Logo depois de terminar essa descrição trágica do universo conhecido, parece envergonhada por meio segundo antes de soltar uma gargalhada.
Heymans, professora de astrofísica da Universidade de Edimburgo, enfrenta os mistérios do cosmos com emoção e humor. Lidera o projeto KIDs (Dilo-Degree-Survey), um dos principais projetos mundiais destinados a estudar a matéria e energia escuras, dois elementos desconhecidos que compõem 95% do universo. Pesquisadores rastrearam 15 milhões de galáxias em busca de informações que ajudem a criar uma nova teoria gravitacional que supere as de Isaac Newton ou de Albert Einstein, muito úteis para explicar o universo visível, que corresponde a apenas 5% do total.
Na semana passada, Heymans esteve em Madri para falar sobre O Lado Escuro do Universo, como parte do ciclo de conferências de astrofísica e cosmologia da Fundação BBVA.
Já deveríamos ter encontrado a partícula que compõe a matéria escura nos aceleradores do CERN
Pergunta. Seu trabalho consiste em ir além do modelo-padrão da física, que explica muito bem o comportamento da matéria visível, mas ignora o que é essa matéria escura, que influencia o movimento das galáxias, e a energia escura, que faz com que o universo se expanda cada vez mais rápido. O que sabemos sobre esses dois componentes escuros do universo?
Resposta. Conhecemos a matéria escura há mais tempo do que a energia escura, e temos tido mais tempo para pesquisá-la e descartar teorias. Agora estamos chegando ao ponto em que, se nossas melhores teorias sobre o que é a matéria escura fossem corretas, já deveríamos ter encontrado a partícula que compõe a matéria escura no CERN [antiga sigla da atual Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear]; já deveria ter sido detectada em um dos aceleradores. Mas não tem sido assim. Isso sugere que nossos modelos da matéria escura não são suficientes e que precisamos de teorias mais complexas.
A energia escura, por outro lado, é um mundo de mistério completamente novo e excitante. A energia escura é algo que conhecemos há menos de 20 anos. Agora estamos acumulando dados com diferentes maneiras de detectá-la para tentar descobrir sua origem.
Há pessoas que estão tentando unir as duas coisas, encontrar uma teoria que possa explicá-las ao mesmo tempo. Mas há todo um zoológico de diferentes teorias tentando explicar seus componentes.
P. Com o que sabemos agora sobre a matéria escura, acredita que seremos capazes de detectá-la em breve?
R. O CERN já realizou obras de melhoria desde que encontrou o bóson de Higgs e vai fazer mais em breve. Esperavam encontrar partículas de matéria escura com a melhoria atual e não conseguiram. Talvez com a próxima consigam, mas já descartaram os modelos mais simples que tentam explicar a matéria escura e estão começando a se preocupar, porque os modelos mais simples costumam ser os corretos.
P. Será necessária uma nova teoria física, como a da Relatividade de Einstein, para entender a matéria e a energia escuras?
Nossas teorias sobre a gravidade funcionam muito bem, mas em uma parte diminuta de nosso universo
R. A Relatividade Geral é uma das teorias mais bem comprovadas. Explica muito bem como os planetas giram em torno do sol ou como a luz vinda das estrelas se curva. Mas apenas aborda uma pequena parte do nosso universo, em uma região muito densa da nossa galáxia. Quem pode dizer se a gravidade funcionaria da mesma maneira em uma escala maior? Isso nunca foi testado.
O que estamos fazendo agora é traçar novos mapas para testar o funcionamento da gravidade em larga escala em nosso universo. Pode ser que a gravidade funcione de maneira diferente em um lugar muito denso, com grande quantidade de matéria como em nossa galáxia, do que em outros lugares. Einstein disse que a gravidade curva o espaço e o tempo do mesmo modo, que não havia diferença entre o espaço e o tempo. No entanto, sabemos que é diferente. O tempo só se move em uma direção, mas posso saltar em qualquer direção no espaço. Talvez a gravidade funcione de forma diferente no espaço e no tempo. Estas são as perguntas que estamos fazendo. Estamos em uma etapa na qual não entendemos o que vemos, por isso temos de questionar o núcleo de nossa compreensão da física para tentar entender o que vemos.
P. Estão buscando algum tipo observação específica?
R. A técnica que tem sido pioneira durante minha carreira é o efeito de lente gravitacional. A ideia é que olhamos galáxias no universo muito distante e vemos acúmulo de matéria escura no meio. Quando a luz dessas galáxias viaja até o observador, curva-se devido aos efeitos da gravidade. O que fazemos é tirar fotos de milhões de galáxias no universo distante e, em seguida, estudamos como se curvou e distorceu a luz que chega até nós. Isso nos permite mapear toda a matéria escura entre nós e o universo distante.
As galáxias vivem no interior da matéria escura e estão se movendo. Quanto mais matéria escura existe, mais rápido a galáxia se move. Essa é outra maneira de medir a gravidade. O que fazemos é combinar essas duas medidas, a da lente gravitacional e a do movimento das galáxias, o que nos permite medir diretamente a gravidade em grandes escalas, tanto no espaço como no tempo. Isso nos permite ver se a gravidade está evoluindo com o tempo e se isso afeta de maneira diferente o espaço e o tempo.
A explicação mais simples é que esta energia extra vem do vácuo e surge a partir do aparecimento de partículas virtuais
A Espanha está envolvida em um projeto chamado Euclid. É um grande projeto europeu que consiste em um telescópio espacial que será lançado em 2020. Vai fazer uma exploração de todo o céu. Com esses dados, poderemos ver como a gravidade está curvando o espaço-tempo e como isso muda com o tempo, e esperamos que nos permita compreender a origem desta matéria escura e testar estas teorias que podem ajudar a explicar a matéria escura e a energia escura. Precisamos de mais dados para confrontar a diversidade de teorias que temos.
P. Se tivesse que escolher uma teoria sobre o que é a energia escura, qual seria?
R. A explicação mais simples é que esta energia extra vem do vácuo. Há grandes regiões do nosso universo onde não há absolutamente nada, não há gás nem matéria escura, nada. Mas a física quântica nos diz que você pode ter partículas virtuais que aparecem e desaparecem, como se aparecessem no espaço como passe de mágica. Parece uma loucura, mas é um fenômeno que temos medido em laboratórios.
Você tem um vácuo e, por meio de flutuações quânticas, criam-se partículas nele. Se essas partículas virtuais aparecem, dão energia ao sistema, algo que pode causar uma expansão que cria mais vácuos e mais oportunidades para que essas partículas apareçam. É como ter essa máquina de movimento perpétuo porque, quanto mais rápido o universo se expande, mais vácuo é gerado e mais oportunidades são criadas para a existência dessas partículas virtuais, que acabam produzindo mais energia.
Essa é a teoria mais simples. É muito bonita e baseada em nossa compreensão da física quântica, mas o problema é que, se você calcular quanta energia esse mecanismo deveria criar, nosso universo não existiria, porque teria se expandido até seu desaparecimento há muito tempo. A energia escura que medimos e que causa esta aceleração é, na verdade, muito pequena, um milhão de vezes menor do que seria de esperar.
Estamos aqui porque em nosso universo a energia escura é baixa, as galáxias e planetas podem se formar e a vida pode existir
A maioria dos astrônomos gosta dessa teoria e acredita que seja a melhor para explicar a energia escura, mas, de alguma forma, ignora o fato de que esses números estão incorretos. As pessoas acreditam que, quando tenhamos melhores medidas, veremos que essas teorias são as melhores para explicar nossas observações.
Outra explicação é a que leva em conta a existência de múltiplos universos. No início do universo, temos o Big Bang. Nossas melhores teorias dizem que o universo, em seguida, passou por um rápido período de inflação. Nossa compreensão fundamental da física pode explicar essa inflação, mas é muito difícil detê-lo.
Muitas teorias sobre a inflação preveem que não será criado um único universo, e sim muitos. Isso sugere que não somos o único universo, mas que há outros. Há uma teoria segundo a qual cada vez que um universo é criado, há uma nova configuração das constantes fundamentais que guiam nossa compreensão da física. A gravidade nos prende ao solo, mas, em outro universo, poderia ser muito mais forte, tendo diferentes constantes em diferentes universos. E poderia ser que esse universo particular tenha uma energia escura muito estranha, e que nesses universos múltiplos a energia escura exista, mas com uma força diferente.
A razão pela qual estamos aqui é porque estamos em um universo em que a energia escura é baixa, e as estrelas, galáxias e planetas podem se formar e a vida pode existir. Vivemos em um universo que é adequado para a vida, e isso poderia ser uma explicação por que a energia escura é tão fraca. Não gosto dessa teoria porque é difícil de testar, mas é uma solução possível para o problema. Também aborda outras questões, porque muitas das outras constantes fundamentais que explicam nosso universo são muito adequadas para a vida. Se mudamos esses parâmetros, ainda que de uma forma muito pequena, as estrelas não se formariam, o DNA não se formaria.
P. Acredita que as leis da física são arbitrárias, que poderiam ser diferentes em cada um desses universos?
R. As leis seriam de certa forma estáveis, mas as constantes variariam. A gravidade pode ser mais forte ou mais fraca em outros universos. As leis fundamentais da física estão bem ancoradas à lógica, mas, o que não se entende, é por que têm a força que têm. Mas há muitos astrônomos que não gostam dessa ideia, porque não podem prová-la.
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