Elevação do nível do mar provocada pelo aumento das emissões dos gases de efeito estufa ameaça duas das mais conhecidas praias de Salvador
Quando
o mergulhador Wellington Alves, 37 anos, chegou para dar aulas de
futevôlei e de mergulho no Porto da Barra, esta semana, tomou um susto. O
mar tinha chegado tão próximo da balaustrada que, quando a maré desceu,
parte da areia tinha sumido. “O rochedo que fica embaixo da areia ficou
à mostra. Na quinta-feira, até comentei que, daqui a alguns anos, não
vai ter mais areia”, conta Alves, que vai à praia diariamente, sob sol
ou chuva.
O que ele não imaginava é que o palpite não
está tão longe de se tornar realidade. De acordo com estudos do
professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) José Maria Landim,
doutor em Geologia Marinha, o aumento do nível do mar deve ser de 0,5 a 1
metro nos próximos 80 anos. E essa mudança deve ser sentida,
principalmente, nas praias com faixa de terra mais curta e nas áreas
mais baixas da cidade. Essas, segundo ele, serão as primeiras a ser
engolidas.
A mudança seria capaz de tirar do mapa
praias como as do Porto e do Farol da Barra. Além disso, uma imensa área
na Cidade Baixa, que abrange bairros como Monte Serrat e Bonfim, também
está sob ameaça. “Basta ver que, na maré alta, as ondas já jogam areia
ali (na Barra). A tendência é aumentar cada vez mais”, ilustra.
É bem o que Wellington, o mergulhador,
começou a perceber. “Tanto aqui (no Porto) quanto no Farol. Sempre saio
do trabalho aqui e vou mergulhar lá. Pelo menos tive o privilégio de
conhecer. Infelizmente, as próximas gerações não vão ter”.
Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO |
Base técnica
O alerta do professor Landim tem como base seus estudos da chamada ‘evolução pretérita da zona costeira’, cujo foco é analisar como o nível do mar se comportou no passado e de que forma a zona costeira respondeu a essas variações.
“As avenidas Oceânica e Otávio Mangabeira avançaram na faixa de areia, diminuindo a largura das praias, que não terão para onde recuar com o avanço do mar”, observa.
Inclusive,
durante o Inverno, na maré cheia, já não há espaço na areia, na praia
do Farol, às margens da Av. Oceânica. Frequentador do local desde
criança, o barraqueiro Erivaldo Pinheiro, 39, diz que, hoje, o mar já
chega na balaustrada. “Bate na parede. E a gente precisa ficar sempre
atento, porque a maré vem de surpresa. Esses dias, um colega perdeu
cinco cadeiras para o mar. Cada uma custando R$ 130”.
Moradora da Liberdade, a pedagoga Meire Cruz, 39, viu a paisagem da praia do Farol mudar nos últimos anos.
“Passei minha adolescência aqui vindo todo fim de semana e, hoje, você já vê menos areia. E é uma pena, porque é a melhor, mais aconchegante praia de Salvador. Se eu estiver aqui daqui a 80 anos, só vou pensar: ‘cadê meu cantinho?”, afirma a pedagoga.
Para
a fisioterapeuta Maria da Conceição Sousa, 44, a falta vai ser mais
sentida no Porto da Barra. É para lá que ela, moradora da Cidade Nova,
costuma ir com a filha e o marido. “Vai ser uma perda grande, porque
esse pedaço de terra é ouro. Para a gente, é um paraíso”, lamenta.
O professor José Maria Landim, estudioso da evolução pretérita da zona costeira, que indica comportamento do mar (Foto: Acervo pessoal) |
Espaço
Conforme o professor Landim, o principal responsável pelo aumento do nível das águas é o aquecimento global decorrente do aumento de gases estufa na atmosfera. Os prognósticos são do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês, e vinculado à Organização das Nações Unidas). A mudança também afetará outras áreas da cidade. “Isto decorrerá, principalmente, por não haver espaço para as praias migrarem no sentido do continente”, diz.
Para Landim, tamanha falta de espaço para a
migração das praias é resultado, no caso de Salvador, de uma das
principais vias de tráfego da cidade (a Av. Otávio Mangabeira),
bordejar, tal como uma fortificação, a orla. “Trechos dessa avenida
foram construídos até mesmo diretamente sobre a praia, como mostram
fotos antigas”, cita.
Vulnerabilidade
A última vez que o nível do mar cresceu em grandes proporções em Salvador foi há 120 mil anos - o aumento foi de seis a oito metros acima do nível atual, como uma reconstrução das áreas inundadas cedida pelo professor Landim ao CORREIO demonstra (veja o mapa). As regiões alagadas na época, segundo ele, são também as mais vulneráveis no caso de uma futura elevação.
O especialista ainda explica que, desde o
início da urbanização da cidade, a ocupação em Salvador se concentrou ao
longo da orla. “Não se pode dizer que essas ocupações foram irregulares
porque não existiam as preocupações que vivenciamos nos dias atuais”.
Existem dois instrumentos legais que
definem as faixas de recuo (onde se proíbe construção permanente):
terrenos de Marinha - uma faixa de 33 m contados a partir da linha de
preamar, que pertence à União; e uma lei estadual de 1989, que
estabelece uma faixa de 60 metros, contados a partir também da linha de
costa, para possibilitar o livre acesso à praia.
“Como Salvador já é um centro urbano
consolidado, não tem muito o que fazer. O estabelecimento de faixas de
recuo, entretanto, é a ferramenta de gestão mais eficiente e barata para
minimizar os conflitos decorrentes da erosão costeira em regiões ainda
não densamente ocupadas”, defende.
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