Em pesquisa, 93% dos pacientes tratados perderam peso sem a cirurgia. O protocolo, porém, divide especialistas
postado em 12/03/2017 08:00
/ atualizado em 11/03/2017 22:56
Paloma Oliveto Fonte: Correio Braziliense
É
uma guerra desigual. De um lado, pessoas que precisam,
desesperadamente, perder peso. Do outro, um cérebro que trabalha 24
horas para promover o acúmulo de gordura e a vontade incontrolável de
comer. Enquanto isso, a obesidade mata 4,5 milhões de pessoas por ano,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que também projeta em 3
bilhões o número de indivíduos com sobrepeso e obesidade em 2025. Entre
as medidas indicadas para aqueles com índice de massa corporal (IMC)
acima de 40, ou acima de 30 e que já apresentam comorbidades, está a
cirurgia bariátrica. Para fazer o procedimento, porém, é preciso tentar a
abordagem clínica por, pelo menos, dois anos, sem obter sucesso.
Conseguir
eliminar o peso excessivo e manter o novo corpo, contudo, é difícil
para pessoas que não apenas estão com alguns quilinhos a mais — elas, em
vez disso, sofrem de uma doença crônica, como define a OMS. No
desespero, muitas que estão perto do IMC 40 engordam para conseguir
operar. A culpa, segundo o endocrinologista Flávio Cadegiani, membro da
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica (Abeso), é dos tratamentos clínicos tradicionais, que pouco
conseguem fazer pelos pacientes.
Com outros
dois profissionais de saúde, Cadegiani desenvolveu um novo protocolo
para o tratamento de obesidade. No trabalho, publicado na revista BMC
Obesity, o pesquisador defende uma abordagem classificada por ele como
agressiva, capaz de evitar que pacientes obesos façam a cirurgia. No
estudo feito com 43 pessoas, o método evitou a bariátrica em 93% delas
em um período de dois anos de tratamento. Oitenta e oito por cento
conseguiram perder 10% do peso corporal e 81,4% reduziram em mais de 50%
o excesso de peso.
O método baseia-se
principalmente em uma combinação de diversos medicamentos, que incluem
hormônios, redutor de gordura, antidepressivos e ansiolíticos. Este dois
últimos, no caso de compulsão alimentar. Embora as indicações sejam
individualizadas, é possível que um único paciente chegue a tomar nove
remédios diferentes. Não se trata de uma substituição à bariátrica,
esclarece o médico, que também é pós-graduado em nutrologia. “A cirurgia
é segura e, quando recomendada corretamente, leva a melhoras
significativas nos parâmetros metabólicos, à remissão do diabetes, ao
aumento da função das células beta (que sintetizam a insulina) e à
normalização dos níveis de glicose”, diz.
Contudo,
ele lembra que as mesmas sociedades médicas que indicam o procedimento
para obesidade moderada e severa sugerem que a intervenção seja
realizada apenas depois de o paciente ter tentado perder peso sem
sucesso por, ao menos, dois anos, ser informado sobre as limitações às
quais estará sujeito ao longo da vida depois da cirurgia e perder ao
menos 5% do peso corporal antes de se submeter a ela. “Mas esses
requisitos nem sempre são seguidos pelos profissionais de saúde”, diz o
médico, citando o número crescente de bariátricas nos Estados Unidos. Em
2015, foram 200 mil operações. No Brasil, 100 mil passaram pela
cirurgia no ano passado.
Desmame
De
acordo com o especialista, a culpa pela falta de sucesso nas tentativas
de emagrecimento não pode recair sobre os pacientes. “Geralmente,
receitava-se um ou outro medicamento, não havia abordagem
multidisciplinar nem estratégias de manutenção do peso, além de os
medicamentos serem prescritos por um tempo muito curto. Sempre falo para
os meus pacientes que, se é para tomar remédio por pouco tempo, melhor
nem começar. A obesidade é uma doença e deve ser encarada assim. Se para
uma doença como hipertensão tem de se tomar remédio de forma crônica,
por que não o mesmo para a obesidade?”, questiona.
Cadegiani
reconhece que há muito receio ainda de se tomar e se prescrever
remédios para emagrecimento. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 2%
dos tratamentos de obesidade incluem a abordagem farmacológica. Segundo o
médico, isso se deve a erros e abusos do passado. “Acontecia muito ‘oba
oba’. Os médicos passavam algumas coisas perigosas, havia o reganho de
peso, principalmente porque se parava de uma vez, sem desmame. Eu não
inventei a roda. Peguei tudo que existe e juntei. Não precisamos criar
nada. O triunfo do protocolo foi juntar abordagens farmacológicas e não
farmacológicas e saber fazer o desmame”, diz.
Depois
de uma bariátrica, mais de 10 médicos e um sem-número de dietas sem
sucesso, o empresário Gustavo Rondina, 38 anos, não teve medo de encarar
o coquetel de medicamentos há dois anos, quando aderiu ao protocolo. Na
época, ele estava com 130kg e as taxas todas desreguladas. Porém,
Gustavo não queria ouvir falar de cirurgia novamente. Em 2000, quando
tinha 22 anos, ele chegou a pesar 180kg. Com a pressão 30 por 27 quando
deu entrada na emergência de um hospital, o jovem recebeu um ultimato:
“O médico falou: ou opera ou morre. Eu estava quase tendo um AVC”,
recorda. Da UTI em Brasília, foi direto para Goiânia, onde passou pelo
procedimento. “O cirurgião era ótimo, muito humano e competente.
Emagreci 50kg em três meses. Mas, em seis anos, voltei a ganhar peso.
Foi muito assustador”, diz.
O mais grave,
segundo Gustavo, não foi a recidiva, mas os efeitos colaterais que
sofreu. Um deles, a síndrome de dumping, faz com que o conteúdo gástrico
do estômago chegue muito rapidamente ao intestino, principalmente
depois do consumo de carboidrato. “Isso me fazia vomitar direto. Com o
excesso de concentração de glicemia, cheguei a ter duas convulsões”,
recorda. Em 2011, a produção hormonal do empresário despencou e ele
começou a sofrer de envelhecimento precoce, com queda de cabelo e perda
de elasticidade da pele. Sem disposição para enfrentar uma nova
cirurgia, Gustavo sabia que precisava emagrecer. No fim de 2015, aderiu
ao novo protocolo clínico e, hoje, o IMC dele varia de 15% a 20%,
considerado de atleta. “A minha qualidade de vida, a minha disposição e
concentração são outras. Consegui reeducar minha vida sem nunca ter tido
nenhum efeito colateral”, garante.
“Se para
uma doença como hipertensão tem de se tomar remédio de forma crônica,
por que não o mesmo para a obesidade? (…) O triunfo do protocolo foi
juntar abordagens farmacológicas e não farmacológicas e saber fazer o
desmame”
Flávio Cadegiani, um dos criadores da abordagem
Estímulo e vigilância constantes
O
presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica,
João Caetano Marchesini, não se entusiasmou com o novo protocolo. Para
ele, o ideal teria sido fazer um estudo prospectivo, no qual os
pacientes seriam divididos em grupos para, então, comparar o índice de
sucesso das estratégias por um tempo determinado. “Quanto maior o tempo,
maior o valor”, diz. De acordo com Marchesini, além disso, um paciente
com obesidade mórbida precisa de perda de peso inicial muito
significativa para se empenhar em continuar a emagrecer. “Às vezes, a
pessoa precisa perder de 80kg a 100kg. Com dieta, exercício e remédio,
ele perde oito, 10, 20kg, de seis a oito meses. Ele vai perder o
estímulo. O paciente precisa de um facilitador, um catalizador”,
compara.
Segundo o cirurgião, que trouxe para o
Brasil o método do balão gástrico, pesquisas indicam que mais de 90%
das pessoas que emagrecem com tratamento clínico tradicional voltam a
engordar em dois anos. No caso da bariátrica, diz, 15% engordam nesse
período. “A cirurgia é extremamente segura, desde que feita em centros
de referência. Mas ela não é uma vacina para a obesidade”, alerta.
“Assim como o hipertenso que, se parar de tomar remédio, volta a ser
hipertenso, o obeso é obeso para sempre. Ele estará magro enquanto fizer
o acompanhamento, que tem de ser crônico, como o de qualquer doença”,
destaca.
O tratamento descrito na revista BMC
Obesity não foi só medicamentoso. Depois que os pacientes perderam um
bom percentual de peso, eles precisaram adequar a dieta, prescrita por
nutricionista, e se exercitar pelo menos três vezes por semana, seguindo
as indicações de um educador físico. Tanto o regime alimentar quanto o
de atividades físicas foram modificados periodicamente. Aqueles que
necessitaram também foram encaminhados à psicoterapia semanal.
Mês
a mês, os pacientes foram monitorados com diversos exames. Qualquer
ocorrência fora do esperado, como estagnação ou perda excessiva de peso,
exigia adequações. “O nosso índice de reganho após três anos e meio de
estudo foi de 2,5%, ou um paciente dos 40 que não fizeram bariátrica.
Dos três que haviam reganhado nesse período, dois voltaram para a faixa
de peso ideal após a terapia de resgate”, conta o endocrinologista
Flávio Cadegiani.
Enjoo
O estudante
Elias Couto de Almeida Júnior, 25 anos, aderiu ao protocolo e diz que
não se arrepende. Durante o tratamento, tomava de quatro a cinco
remédios. “Tive um pouco de medo. O único efeito colateral foi o enjoo.
No início, tinha muito. O primeiro mês foi bastante difícil”, conta o
estudante, que hoje está na fase de desmame dos medicamentos. Além de
eliminar 45kg de gordura, ele ganhou massa magra. Atualmente, Elias, que
tem 1,87m de altura, pesa 107kg, e quer chegar a 100g. “Estou fazendo a
reeducação, agora está muito tranquilo. Tudo é muito diferente”,
comemora.
A endocrinologista Maria Fernanda
Barca, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
(SBEM) e da Sociedade Europeia de Endocrinologia (SEE), aprovou o
protocolo proposto pelo médico de Brasília. “Hoje, a bariátrica virou
uma loucura. Às vezes, as pessoas engordam para fazer a cirurgia, no
lugar de fazer dieta, atividade física e tomar remédio. Além disso, os
pacientes conseguem driblar a cirurgia, vão comendo e bebendo
excessivamente, de xicrinha em xicrinha”, diz. “Ainda tem muita gente
com resistência a tratamento com medicamentos, mas, hoje, temos
resultados brilhantes com uma nova gama de remédios, como os de efeito
anticompulsivo”, explica.
Três perguntas para Gabriella Alves
Qual o perfil do paciente que, no lugar de um tratamento nutricional tradicional, precisa de uma abordagem mais agressiva?
Todos
os pacientes refratários, ou seja, que já tentaram vários tipos de
tratamentos e não obtiveram sucesso, são pacientes em potencial para uma
nova abordagem. Mas não só eles. Os pacientes que apresentam
dificuldade de seguir dieta (por quaisquer que sejam os motivos) ou que
têm traumas ou compulsão alimentar devem receber um tratamento diferente
do que ja viram, um tratamento possível para a rotina e preferência
alimentar deles.
Existem muitas pessoas
que ainda criticam medicamentos no processo de emagrecimento. Os
benefícios dos remédios superam os riscos em potencial?
Muitas
críticas e receios quanto ao uso de medicações para o emagrecimento são
infundadas, derivadas de preconceito, ou seja, do julgamento sem
conhecimento. A obesidade é uma doença e deve ser enxergada e tratada
como tal. A maioria dos pacientes com compulsão alimentar, obesidade e
patologias associadas já instaladas precisam de uma abordagem completa,
de uma equipe multidisciplinar que dê a eles suporte para seguir com o
tratamento. Muitos deles já tentaram emagrecer previamente, porém a
maior dificuldade não é iniciar um tratamento, mas mantê-lo até atingir
os objetivos e seguir na fase de manutenção do peso e consolidação da
perda.
Esses pacientes terão de fazer acompanhamento multidisciplinar para o resto da vida?
Um
dos maiores desafios do nutricionista no tratamento da obesidade é
ensinar o paciente a caminhar com as próprias pernas, dar a ele as
ferramentas e conhecimentos para transformar seus hábitos alimentares e
saber o que deve ou não comer e com que frequência. É literalmente o que
denominamos reeducação alimentar. O paciente que segue o tratamento
conforme prescrição de todos os profissionais, e não possui nenhuma
patologia instalada, terá condições de reduzir as consultas e encontros
com os profissionais, apenas para acompanhamento, até que se torne
absolutamente independente.
Gabriella Alves é nutricionista e criadora da técnica para tratamento de obesidade mórbida com medicamentos
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