Especialistas em oncologia e envelhecimento exploram os benefícios de deixar de comer durante um ou mais dias
Em Londres, cozinheiro prepara pratos do ramadã, um tipo de jejum. Getty |
O jejum durante dias ou semanas, apenas com água, ou prescindindo somente de algum tipo de alimento, ou limitando as horas do dia nas quais se pode comer, é uma prática quase universal entre as religiões majoritárias. Alguns lhe atribuem qualidades regenerativas. Do ponto de vista científico, o jejum parece proporcionar longevidade e uma saúde melhor em estudos com animais e não requer tantas penalidades como a restrição calórica. E parece que alguns dos maiores e mais claros benefícios são obtidos pelos animais com tumores.
Quando alguém para de comer por um ou mais dias, seu metabolismo muda de andamento diante do estresse. A multiplicação celular se torna mais lenta, ativa-se o processo de autofagia em que o corpo elimina as células velhas ou defeituosas e, geralmente, começa a se alimentar de suas próprias reservas de energia. Até o momento, não se sabe como e por que essa prática parece ser benéfica para a saúde.
Camundongos com câncer tratados com
quimioterapia e submetidos ao jejum respondem melhor ao tratamento e se
recuperam antes dos efeitos colaterais
Passar vários dias sem comer de forma periódica (não há uma definição unificada do jejum em termos científicos), seria uma prova muito dura para muitas pessoas. Por isso Longo desenvolveu uma dieta de baixa caloria que imita os efeitos do jejum sem deixar de comer. Quando essa dieta é fornecida a camundongos com câncer de mama e de pele, seu sistema imunológico parece despertar da letargia e começa a reconhecer e a aniquilar as células tumorais, algo que não acontece com os roedores bem alimentados. De acordo com Longo, o jejum tem um efeito “rejuvenescedor” sobre o organismo, tanto em animais como em humanos. “Num estudo piloto com voluntários saudáveis, vimos que a dieta que imita o jejum reduziu os indicadores de risco cardiovascular, os níveis de glicose [fator de risco de diabetes] e os de IGF-1, um potencial marcador de câncer, além de eliminar a gordura abdominal”, explica o pesquisador. A dieta em questão tem 60% de calorias a menos do que a dieta normal de cada indivíduo. Na experiência, os voluntários seguiram essa dieta durante cinco dias, depois voltaram a comer normalmente durante três semanas e depois repetiram o mesmo ciclo mais duas vezes.
No Centro Nacional de Pesquisa Oncológicas, em Madri, a equipe de Manuel Serrano descobriu um dos possíveis responsáveis pelos benefícios do jejum no câncer. Até recentemente, a pesquisa nesse domínio estava centrada na restrição calórica, muito mais radical e difícil de manter. “A restrição calórica tem efeitos indesejáveis, se passa fome constantemente, a libido é quase zero e a vida social fica reduzida, porque muitas vezes esta acontece em torno da comida”, explica Serrano. Nesse sentido, o jejum e a imitação dos seus efeitos com dietas de baixo teor calórico ou com drogas pode ser muito mais viável, especialmente no contexto do câncer.
O jejum pode produzir dores de cabeça ou stress e nunca deve ser realizado sem a supervisão de um médico
“Constatamos que os níveis de P21 aumentam com o jejum e voltam a baixar quando se volta a comer”, explica Pablo Fernández-Marcos, um dos coautores do estudo que decidiu participar do grupo experimental e testar a falta de alimentos na própria carne. “Nenhum dos participantes teve qualquer problema, embora em alguns casos o jejum possa causar dores de cabeça ou estresse”, explica.
O pesquisador defende a ligação entre o gene estudado e os efeitos benéficos sobre o câncer. “O P21 interrompe a multiplicação celular, especialmente em órgãos como o cabelo, o intestino e a medula óssea, que estão entre os mais afetados pela quimioterapia”, explica. Agora a equipe pretende investigar se o P21 é a causa dos benefícios observados e não apenas uma reação colateral.
Uma das vertentes da pesquisa é buscar moléculas que ativam alguma das “vias metabólicas” que são acionadas com o jejum, como “a redução da insulina ou dos corpos cetônicos que transformam a gordura armazenada em energia para o cérebro”, diz Fernández-Marcos. No futuro, esse tipo de droga poderia ser aplicado à população saudável, mas chegará primeiro aos pacientes com câncer, porque “é mais simples uma vez que os efeitos observados são muito rápidos”, afirma.
A equipe de Longo está realizando novos testes em pessoas saudáveis e com câncer e sua dieta que imita o jejum para confirmar se é realmente benéfica. Muitas de suas pesquisas foram financiadas por organismos públicos como os Institutos Nacionais de Saúde. Seu trabalho não é isento de controvérsia, porque o cientista nunca revela a composição exata da dieta em seus estudos. Por outro lado, decidiu comercializá-la.
“Até agora não sabemos se o jejum tem efeitos de adaptação metabólica, simplesmente ainda não temos dados”
Os especialistas consultados enviam uma mensagem de esperança no potencial do jejum, mas também enviam um sinal de cautela em relação às dietas milagrosas. “Todos os dados disponíveis em modelos experimentais, incluindo primatas, avalizam essas intervenções nutricionais”, diz Carlos López-Otín, da Universidade de Oviedo. Mas ele acrescenta que “os estudos em humanos são muito incipientes e em alguns casos indiretos, o que convida à máxima prudência”, acrescenta.
José Ordovás, especialista em nutrição e genômica da Imdea Nutrición e da Universidade Tufts (EUA), afirma que “é provável que uma dieta rica em produtos derivados de plantas, frutas e legumes, obtenha efeitos semelhantes” à de Longo. “Minha preocupação é que em nenhum momento sua dieta foi comparada com uma dieta que qualquer um pode preparar em casa, em vez de comprá-la pré-fabricada em sacos de plástico ou de alumínio na forma de sopas ou de barras nutricionais”, acrescenta. Além disso, o pesquisador ressalta que “nenhum dos artigos [de Longo] descreve em que consiste essa dieta e só fala de ingredientes ‘proprietários’”, o que “não é consistente com o fato de que uma boa parte dessa pesquisa foi realizada por meio de fundos públicos e, portanto, as descobertas e os benefícios deveriam ser públicos”, acrescenta.
Luigi Fontana, pesquisador das universidades de Brescia (Itália) e de Washington em Saint Louis (EUA), é outro dos líderes da pesquisa sobre o jejum em seres humanos. Há alguns anos, assinou vários artigos com Longo descrevendo o potencial do jejum para a saúde, mas agora diz que “não quer comentar os estudos do colega”. Ele também criou um tipo de jejum simulado e aberto ao público: durante dois ou três dias, comer apenas vegetais, à vontade, e uma colher de sopa de azeite de oliva a cada refeição. Num teste clínico de seis meses cujos dados serão publicados em breve, sua equipe observou perdas de peso muito significativas, de até “16 quilos em seis meses”, com essa dieta, afirma.
O pesquisador adverte que ainda não existem dados confiáveis em humanos que permitam respaldar algumas das afirmações de Longo e suas dietas comerciais. “Até agora não sabemos se o jejum tem efeitos de adaptação metabólica, os dados simplesmente ainda não existem, e camundongos não são seres humanos”, comenta. Fontana tampouco acredita que seja possível encontrar “dois ou três comprimidos” que possam “enganar o corpo” e aportar os benefícios na longevidade e na saúde observados pelo jejum. Em sua opinião, a única forma comprovada de conseguir benefícios reais é clássica: estilo de vida saudável e exercício físico. “As pessoas gostam de atalhos, mas ninguém pode se tornar faixa preta de karatê com alguns truques”, salienta.
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