Plantas domesticadas na era pré-colombiana são mais abundantes do que outras espécies em áreas da Amazônia. Estudo liderado por brasileira foi publicado na 'Science'.
A Amazônia leva a fama de ser um território intocado pelo homem, uma
floresta cuja composição foi determinada apenas por fatores naturais. Um
estudo publicado nesta quinta-feira (2) pela revista “Science” traz
evidências que contrariam essa percepção: a domesticação de árvores e
palmeiras por povos indígenas na era pré-colombiana – antes da chegada
dos europeus ao continente – teve um forte impacto na composição da
floresta, segundo a pesquisa.
O estudo concluiu que espécies que sabidamente foram cultivadas pelos
povos indígenas na era pré-colombiana têm cinco vezes mais chance de
serem abundantes atualmente do que espécies não-domesticadas. Além
disso, a presença das espécies domesticadas foi percebida de forma mais
intensa nos arredores de sítios arqueológicos, ou seja, locais onde se
encontram evidências de atividades humanas no passado. Esses achados
reforçam o papel da atividade humana na composição atual da Floresta
Amazônica.
O trabalho foi liderado pela pesquisadora Carolina Levis – ligada ao
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, e à
Universidade de Wageningen, na Holanda – e teve a participação de mais
de 50 cientistas brasileiros, além de um grande time de cientistas
internacionais, entre ecólogos, botânicos, antropólogos e arqueólogos.
"Além de encontrar que as espécies domesticadas dominam e estão distribuídas em ampla extensão da Amazônia, os lugares em que elas aparecem em maior abundância e riqueza são próximos a sítios arqueológicos" Carolina Levis, pesquisadora do Inpa
Como foi o estudo?
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores usaram duas bases de
dados. Uma delas foi uma compilação de inventários florestais liderada
pelo cientista Hans ter Steege, coordenador da Amazon Tree Diversity
Network. Esta rede coletou informações de 1.170 parcelas florestais da
Amazônia: áreas de cerca de um hectare em que todas as árvores com
tronco maior que 10 cm de diâmetro são inventariadas, os materiais são
coletados e as espécies são identificadas. A outra foi uma base de dados
de sítios arqueológicos da região amazônica.
Os pesquisadores selecionaram 85 espécies de palmeiras que passaram
pelo processo de domesticação e verificaram como essas espécies estão
distribuídas na Amazônia. Segundo Carolina, dessas 85 espécies, 20 são
hoje consideradas hiperdominantes na Amazônia, ou seja, ocorrem em
abundância de forma desproporcional em comparação a outras espécies.
“Além de encontrar que as espécies domesticadas dominam e estão
distribuídas em ampla extensão da Amazônia, os lugares em que elas
aparecem em maior abundância e riqueza são próximos a sítios
arqueológicos”, disse Carolina Levis, em entrevista ao G1. “As populações do passado aumentaram a abundância e riqueza dessas espécies na floresta Amazônica.”
Entre essas espécies encontradas em abundância estão duas espécies de
açaí, seringueira, cacau, taperebá, cupuaçu, castanha-do-brasil,
murumuru, entre outras. A maioria era usada na alimentação.
Discussão antiga
Pesquisadores estimam que a domesticação de plantas na Amazônia tenha
começado há mais de 8 mil anos. A discussão de como essa prática pode
ter influenciado a composição moderna da floresta não é de hoje. “Há
pelo menos 20 anos, os cientistas estão discutindo esse efeito e existe
um debate muito grande a respeito disso”, afirma Carolina. Alguns grupos
defendem que a Amazônia foi muito transformada graças à domesticação e
plantas pelos povos indígenas e outros grupos defendem que o impacto foi
limitado a algumas áreas onde os grupos se estabeleceram de forma mais
sedentária.
“O estudo traz mais evidências e coloca mais lenha na fogueira para
acender esse debate porque ainda se sabe muito pouco sobre o assunto.”
Em algumas regiões da Amazônia, como o sudoeste e o leste, é possível
detectar de forma mais clara esse impacto humano. Em outras, as
evidências não são suficientes para determinar como foi esse efeito.
“O achado promete aquecer um longo debate entre cientistas sobre o
quanto milhares de anos de ocupação humana na bacia amazônica
influenciaram os padrões atuais da biodiversidade amazônica e desafia a
visão de muitos de nós, ecologitas, tínhamos e ainda temos sobre essa
enorme área”, diz Hans ter Steege, segundo um comunicado divulgado pelo
Centro de Biodiversidade Naturalis.
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