Meio Ambiente & Desenvolvimento Humano

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Música age no cérebro como o sexo e as drogas

Escutar melodias ativa os mesmos receptores opioides do sistema nervoso central associados ao prazer

O vocalista Aaquil Brown, da banda Rae Sremmurd, durante um show em Berlim, no domingo passado.
O vocalista Aaquil Brown, da banda Rae Sremmurd, durante um show em Berlim, no domingo passado.  REDFERNS

sexo, as drogas e o rock’n’roll ativam o mesmo circuito cerebral de recompensas. Junto com a comida e o álcool, a música dispara a liberação de opioides endógenos, como as endorfinas, e neurotransmissores como a dopamina. Essa foi a conclusão de um estudo com um fármaco destinado a combater dependências e a obesidade, mas que também inibe o prazer musical.

Seja a canção de ninar cantada por uma mãe ou aquele show memorável, a música provoca intensas emoções que têm um correlato físico: calafrios, sorrisos, choro, relaxamento ou tensão muscular... Entretanto, pouco se sabe sobre os processos neuroquímicos subjacentes à experiência musical.
Para descobri-los, um grupo de pesquisadores canadenses começou pelo final, ou seja, pela consequência máxima de ouvir uma linda canção: o prazer que isso gera. Assim, voltaram-se para outras coisas que provocam prazer, como o sexo, as drogas, o álcool e a comida. Todas, independentemente de seus possíveis efeitos secundários, ativam circuitos de recompensa do cérebro.
Também observaram a naltrexona, uma substância que, sob diferentes denominações, é usada para tratar a dependência por álcool ou por opiáceos como a heroína e a morfina. Combinada com outro princípio ativo, serve também para combater a obesidade, e alguns estudos já demonstraram que bloqueia o prazer do orgasmo e a dependência por cocaína. É, junto com a naloxona, uma das substâncias mais potentes para provocar anedonia, a incapacidade de sentir prazer.
O experimento se baseia na naltrexona, uma substância usada para tratar a dependência por drogas e a obesidade
A hipótese dos autores do estudo, publicado hoje na Scientific Reports, era simples: a naltrexona deveria reduzir as reações emocionais à música, provocando uma anedonia musical. Sendo assim, isso implicaria que os mesmos circuitos neuronais envolvidos em outras atividades prazerosas também atuam na experiência musical.
Para demonstrar essa hipótese, os cientistas recrutaram 20 alunos da universidade. Pediram-lhes que trouxessem duas das suas músicas preferidas. Metade desses alunos recebeu 50 miligramas de naltrexona, a dose mínima recomendada. A outra metade tomou comprimidos idênticos, de cor azul, mas sem o princípio ativo. Sensores instalados no rosto traçaram um eletromiograma com a atividade elétrica de vários músculos faciais. Também foram medidos a respiração, o batimento cardíaco, a pressão arterial e condutibilidade da pele antes e durante o experimento.
A naltrexona provoca anedonia, a incapacidade de sentir qualquer tipo de prazer – inclusive o musical
Uma hora depois de os alunos tomarem os comprimidos, receberam capacetes com os quais ouviram as duas músicas preferidas e outras tantas selecionadas pelos pesquisadores por sua frieza ou assepsia emocional. Uma semana mais tarde, repetiram o experimento, mas desta vez administrando o placebo ao grupo que antes havia tomado naltrexona, e vice-versa. Nas duas ocasiões, os alunos que haviam consumido o fármaco demonstraram níveis baixos e muito semelhantes quando ouviam as músicas do seu agrado e as neutras. Mais ainda, seus resultados eram muito inferiores aos registrados pelos que só haviam consumido o placebo.
“É a primeira demonstração de que os opioides endógenos do cérebro estão diretamente envolvidos no prazer musical”, diz o psicólogo Daniel J. Levitin, da Universidade McGill, de Montreal (Canadá), principal autor da pesquisa. Um dos participantes chegou a dizer que, mesmo sabendo que se tratava da sua canção favorita, não conseguia sentir o mesmo que ao ouvi-la antes. Levitin, um neurocientista apaixonado por música, recorda em uma nota o que comentou outro participante: “Soa bem, mas não me diz nada”.
O que a naltrexona fez nesses casos foi bloquear 80% dos chamados receptores opioides mu e delta. Trata-se de elementos dos neurônios aos quais os opioides se acoplam, sejam eles endógenos (endorfinas, encefalinas ou dinorfinas) ou exógenos (ópio, morfina, heroína...). Ao bloqueá-los, boa parte do sistema de recompensa do cérebro trava. Não são liberadas substâncias que provocam bem estar, mas tampouco as que geram dor ou angústia. Na verdade, os pesquisadores comprovaram que, quanto mais emotiva era habitualmente a canção aos ouvidos dos participantes, mais frios eles ficavam ao ouvi-las sob o feitiço da naltrexona. Felizmente, a indiferença à música durou o tempo que duraram os efeitos do fármaco.
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VIDHA LINUS

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